Arquivo para categoria: Poemas sobre o ser e a sua identidade.

José

Meu nome é José. Por dentro, não tenho nome.

Meu nome é José, estereótipo que me deram.

Por dentro, não tenho nome.

Quando me chamam por José, meu prenome,

Estão dizendo, por fora, quem e como sou.

 

Pele morena, olhos pretos, cabelo crespo.

Um cara de sorriso tímido,

Em quem habita um coração com vários corações.

O ser da lei, familiares e amigos.

Os documentos declaram quem sou.

 

Onde nasci, quem são meus pais, meus irmãos.

A profissão, onde moro e tal.

Sou brasileiro e gosto de ser brasileiro,

Não importa o que vejo no retrovisor.

 

Poderia, porém, ser boliviano, angolano.

Talvez moçambicano, português, americano.

Quando não me chamam por José, minha alcunha,

Estou dizendo para mim mesmo que sou uma pessoa sem cognome.

 

Mas gritos do ser do meu ser não tem designação.

Eu, na verdade, não me chamo de José.

Os outros é que me chamam.

Aliás, na intimidade comigo mesmo, nunca sou José.

Sou várias pessoas, porém sem sobrenome.

Por fora tenho alcunha e sobrenome,

Mas por dentro não tenho apelido nem sobrenome.

 

Caso tivesse apelido interno,

Poderia me chamar de A,

Que gosta de se masturbar.

B. seria o nome de imprudente,

Porque, às vezes, ando acima da velocidade da rua.

 

Ontem ajudei uma velhinha com esmola.

Até comprei sapatos agradáveis para ela no camelô.

Hoje mesmo, porém, não quis dar a cadeira no ônibus para outra velhinha.

Não e não!

Vai ficar de pé para largar de ser besta!

 

Às vezes dar vontade de sumir nas estradas dos mares e oceanos.

Outras vezes quero ser político e consertar o mundo.

Às vezes egoísta,

Outras vezes solidário.

Isso que sou e bem mais.

 

Catálogo nenhum caberia a pessoa que sou.

Como não sei qual seja meu único rosto por dentro,

Será por isso que tomo remédio todos os dias,

Para pacificar tantos José dentro do ser do meu ser?

 

Brasília, DF, Brasil, em 24 de junho de 2018.

Meu nome é José. Por dentro, não tenho nome. Poema de Bomani Flávio.

Profeta do dia de ontem.

Sou profeta ou vidente.

Sou, porém, profeta do dia de ontem.

Sei fazer todos os prognósticos do dia de ontem.

De dias anteriores.

Dos meses anteriores.

Dos anos anteriores.

 

Inclusive de décadas e séculos passados.

Essa é a minha especialidade.

Pertenço a ordem de antigos sábios,

Sem linhagem específica.

 

Podem me procurar,

A qualquer momento,

Que direi todos os seus segredos,

Seus medos.

 

Minha matéria é a vida pretérita.

Cálculos de sucesso dos negócios.

Da vida amorosa.

Faço tudo.

Sou adivinho do dia de ontem.

Sou vidente de um mundo adverso.

 

Mas, por favor, não me procurem sobre o amanhã.

Não sou vidente do amanhã.

Não me procurem porque não tenho fontes que me dê tamanha autoridade.

 

Não faço prognóstico baseado na incerteza.

Falta-me elementos para matéria da vida futura.

Não saberia associar evento a com evento b.

Nem evento b com evento a.

Os sonhos poderiam me ajudar,

Mas nada sei sobre a oniromancia.

Inabilidade que não me geraria autoridade.

 

Se eu falasse sobre o dia do amanhã,

A universidade da certeza não me aceitaria.

Minhas pupilas se dilatariam.

As batidas do coração sairiam dos meus ouvidos.

Minha especialidade não é o dia do amanhã.

Profetizo o que conheço.

Não sou vidente dos dias futuros.

 

Mesmo me julgando profeta do dia de ontem,

Acho que nem assim sou arauto confiável.

Será que saberia a data da fundação da Terra?

Do que é feita a parte escura do universo?

 

A noite vejo o cintilar das estrelas e a parte escura.

Será que eu saberia dizer como o sol surgiu?

Por que tinha que ser uma bola de fogo?

 

Quase todos os dias, no entanto, a estrela queima um pouco minha pele.

Rebato, às vezes, com protetor solar.

Por que só se entra na Terra pelo nascimento?

Por que para sair, para sempre, tem que morrer?

Respostas que talvez apareçam no futuro.

O porvir, como disse, não é minha matéria.

O passado é que é minha matéria.

O futuro não conheço.

Passado e futuro próximos.

Separados por fração de segundos,

Com milhares de tempo entre eles.

Tempo que sei e não sei.

 

Mas, nem por isso, sou vidente do futuro.

Como visto, talvez eu seja profeta de tantas perguntas,

Milhares de perguntas,

Que, mesmo assim, não tenho respostas.

 

Brasília, DF, Brasil, 04 de março de 2018.

Profeta. Poema de ‎Bomani Flávio.

quem sou eu

Quem sou eu?

Quem sou eu?

Além da certidão de nascimento,

E de outros registros oficiais,

Eu ainda não sei quem sou,

Quem eu seja,

Nem quem em breve serei.

 

Com meus trinta anos de idade,

Talvez mais, talvez menos,

Somente agora me convenci quem eu sou.

Não sou exclusivamente uma certidão de nascimento,

Nem exclusivamente outro documento público.

Muito mais o rosto que vejo no espelho.

 

Sou também as fotografias,

Que tiram, às vezes, contra minha vontade,

Em cliques imprevisíveis,

Que mostram, em lapso de segundo, como sou.

 

Mesmo assim, eu ainda não sei quem sou.

Porém, ao acordar hoje de manhã,

Percebi que posso ser o registro particular,

Tais como o bilhete,

O relato no diário.

Meus relatos nas redes sociais.

 

Às vezes muito mais difícil de lidar

E que, por algum motivo,

Pode levar a criar mais um registro,

Entre tantos que já tenho.

Não sei se será fardo ou sujeição,

Porque, quando sou eu, às vezes me assusto,

Os outros se apavoram

E muitos choram.

 

Retraio-me como um caramujo quando não bem-vindo.

Preciso, na verdade, aprender com os fatos e atitudes

Que levam a algum tipo de inteligência,

Entre tantas disponíveis.

Como a emocional, a artificial.

Dizem até que há a competitiva ou a múltipla.

 

Preciso ser, na verdade, eu mesmo.

Bem próximo ao que a divindade disse a Moisés,

Nas distantes campinas do deserto:

“E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU.”

A divindade sabia quem era.

Disso não duvidava.

 

Preciso ser.

Mas, no momento, deparo-me com três pinturas invisíveis,

À minha frente:

Quem eu sou,

Quem eu seja

E quem eu serei.

Somente sei que os registros oficiais são oficiais.

Quem eu seja,

E quem eu serei,

Estarão nos registros particulares,

Que podem criar outro registro oficial.

 

Eis a felicidade ou a minha tristeza.

Certo é que eu ainda não sei quem sou.

Porém, pensando bem,

Sou, na verdade, um registro,

Pendente de juízo crítico.

Quer dizer, uma inteligência desconhecida,

Perdida em um País distante no mundo,

Perdida em uma bela capital distante no mundo.

 

Brasília, DF, em 11 de outubro de 2017.

Quem sou eu? Poema de Bomani Flávio