Arquivo para categoria: poemas sobre o ser e os seus medos.

desigualdade social

A desigualdade social deixa o ser em parafuso.

A desigualdade social deixa o ser em parafuso,

Por causa de tudo que acontece em cima,

Em detrimento do que acontece embaixo.

Dois cenários opostos.

Na debaixo todos são iguais.

As bactérias a todos comem.

Os fungos complementam.

A carne desaparece.

Tudo, aliás, vira pó.

 

Na de cima não é bem assim.

Quando pinta a desigualdade social,

Mesmo que por uma vírgula,

O ser entra em parafuso.

 

Talvez seja por isso que meu ser entrou em parafuso,

Ao andar na rua cheia de carrões.

Bairros com casas lindas de doer os olhos.

De pouca gente na rua,

E eu andando naquela rua,

Com pouca grana no bolso,

À procura de emprego.

 

Como se eu fosse um verme,

Um Zé ninguém,

Em um mundo de aparente charme.

 

Quando o ser entra em parafuso,

Muitas asneiras saem da boca.

Como se o direito estivesse precluso.

 

Então meu ser bêbado disse para o outro meu ser sóbrio:

Debaixo da terra todos são iguais.

Acima da terra todos são desiguais.

 

Partido de cima com critérios de regalias.

Partido de baixo ninguém tem regalias.

Que extremo juízo de valor,

Para quem se acha em parafuso!

 

De tanto esmorecer no discurso do parafuso,

Meu ser sóbrio foi para casa.

Eu fiquei parafusando na rua.

Como a desigualdade social não desparafusa o ser!

 

 

Brasília, 06 de fevereiro de 2019.

A desigualdade social deixa o ser em parafuso.

pessoa amada

Liberte a pessoa amada de Makapi.

Liberte a pessoa amada

Da prisão que é um terror.

Dizer que ama enriquece o contato.

Ficar calado surge dúvida no amor.

 

Tudo que gera dúvida vai para um terrível lugar,

Que se chama Makapi.

Terra atrás dos olhos.

Prisão que gera o desamor.

 

Lugar difícil para habitação,

Por causa de tudo que acontece lá.

 

Ali, pois, tudo pode acontecer.

Desconfiança mútua,

Celulite que cresce na perna,

Diálogos desencontrados.

Xingamentos que destroem a libido.

 

Se tudo pode distorcer os olhos,

Distorce mais ainda o amor,

Provocados pelo carcereiro do desamor,

Que age sem dó.

 

Liberte a pessoa amada,

Da duvida e do terror.

Fale palavras de amor.

Esqueça as de terror.

 

E se a timidez atrapalhar,

Diga a palavra mais simples,

A mais trivial de todas,

Eu também te amo.

 

Isso destrói Makapi.

Quanto mais falar,

Mais forte será o amor.

Quanto menos falar,

Mais visível Makapi,

Tão assombrador

Para a pessoa amada.

 

Brasília, 23 de janeiro de 2019.

Liberte a pessoa amada de Makapi. Poema de Bomani Flávio.

cofre

Somos cofre, somos amor.

Disse-lhes, pois, Jesus outra vez:

Para onde eu vou, não podeis vós vir. João 8:21

 

Ninguém nota o cofre.

Lugar escondido aonde eu vou.

Liame tão tênue que ninguém percebe.

Mas, para lá, quase sempre eu vou.

 

Aliás, todo mundo tem um cofre,

Para guardar a dor.

Se não for para guardar a dor,

Resplandecerá intensamente o amor,

Berço do fervor.

 

E nisso está a essência da vida,

Que é o amor.

Mas tudo pode virar um cofre,

Que vai guardar, tão intensamente, a dor.

Chama que no cofre não tem pudor.

 

Pior é que tudo na vida tem intensidade.

Intensidade no amor.

Intensidade na dor.

 

Mas se o amor crescer como incêndio será um santo.

Agora o ódio espalhar-se como fogo será um capetinha,

Que habita na dor.

 

Logo, não se deve demorar no cofre.

Conviver com coisas do dia de ontem,

De todos os anos,

Até mesmo desde que se nasce,

Pode virar uma casa,

Que tem a porta de entrada,

Mas não tem a de saída.

 

Quanto mais demorar no cofre,

Mais a criatura das máscaras.

Tudo por causa da mentira, da raiva.

Talvez do ódio, medo ou rancor.

 

Infelizmente, o cofre fica à venda na beira de estrada,

Para seduzir os olhos de todos os dias.

Mas tudo poderia ser evitado,

Se eu virasse um livro aberto,

Vinte e quatro horas por dia.

Entretanto, tenho nome e sobrenome.

Eis o meu tormento de todos os dias.

 

Brasília, 16 de janeiro de 2019.

Somos cofre e somos amor. Poema de Bomani Flávio.

Carregando a catedral de Brasília.

Carregando a catedral de Brasília.

Sobre minhas pequenas costas,

Estou carregando a catedral de Brasília.

Se não carregou nenhuma,

Que não venha com zombaria.

 

O suor vem,

O frio vem,

A tremedeira vem.

Não me importo com a tonelada de peso,

Nem com tamanha zombaria.

 

Aliás, a pior gozação é entregar-se ao medo,

Sem expor-se a ninguém.

Alucinações,

Vozes,

Medo de dormir.

O pavor extravasa a sacola de mercado,

De quem se fecha todos os dias.

 

E nisto repilo agora como ninguém.

Sobre minha dolorida costa,

Estou carregando a igreja de Brasília.

 

Carregar a catedral de Brasília é encontrar-se consigo,

Na terra de ninguém.

É saber andar sozinho consigo,

Sem reclamar que não tem amigo nem alguém.

 

É melhor levar a estrutura de engenharia nas costas,

Do que levar o fardo que machuca todos os dias.

Quero ser livre para andar, para rir, para chorar.

O viver acima de todas as amarras,

Que não se podem levar nas costas todos os dias.

 

Brasília, 13 de janeiro de 2019.

Carregando a catedral de Brasília. Poema de Bomani Flávio.

Brilhar como um vagalume para vencer o medo da noite.

Preciso brilhar como um vagalume,

Para vencer o medo da noite.

Se eu vencer o medo da noite,

Vencerei o medo do dia.

Preciso brilhar como um vagalume,

Que voa na noite com tal costume.

 

De tanto viver com a luz apagada,

Por causa do medo,

Surgiu uma luz.

Assim do nada.

Luz que vem de um simples vagalume.

 

Preciso brilhar como um vagalume,

Para enfrentar os terrores.

São tantos os terrores da noite.

Também são os da luz do dia.

 

Mas como vou brilhar?

Olhando para o vagalume.

Este tem a luz,

Mas não tem perfume.

Eu, é claro, não tenho luz,

Mas tenho meu perfume.

 

Preciso exalar meu perfume.

Toda pessoa tem seu perfume.

Para descobrir o cheiro que tem,

Saia na noite como pirilampo.

Verá que de bom alguma coisa tem.

 

Somente não quero exalar o medo.

Aquele que vem das raízes da noite.

Plantas que emitem terrores.

São muitos os terrores da noite.

Por isso preciso brilhar como um vagalume.

 

Terrores que têm asas e olhos.

Mas de um quero ter medo.

De não brilhar como um vagalume.

Mesmo na noite que possa vir a me entristecer,

Eu preciso brilhar como um pirilampo,

Que voa na noite com tal costume.

 

Mas jamais me esconder,

Por causa dos terrores da noite.

E para não me esconder,

Apenas brilhando como um vagalume.

 

Igual àquele que se esbarrou em meu pescoço,

Naquele dia de intensa tristeza de um medo sem nome.

O bichinho me fez lembrar que preciso brilhar,

Para suportar a noite de qualquer lugar.

 

Brasília, DF, em 26 de outubro de 2018.

Preciso brilhar como um vagalume. Poema de Bomani Flávio.

medo da morte

Filho da puta, o medo da morte. Como superar?

Filho da puta, o medo da morte.

Estou andando há tempo sem norte.

Tenho vivido muito assustado,

Por causa do medo da morte.

Medo dessa espécie exauri a mente,

Mesmo de quem se acha forte.

 

Exaurimento que não se sabe como vem.

Se ficasse apenas no instinto,

Tudo ficaria bem.

 

Mas o medo da morte às vezes supera o instinto.

Vulnerabilidade que deixa meu ser assustado,

A ponto de me deixar extremamente desajustado.

 

Puta que, ao longo do dia, não vai fenecendo.

Apesar do assombro do medo da morte,

O que mais quero, afinal, é viver.

 

E viver e viver com intensidade,

Mesmo com a ajuda do Rivoltril.

Ansiolítico que consumo para me tranquilizar.

Então isso não pode ser apenas instinto!

 

O medo da morte é, pois, um complexo labirinto.

Mas o que será a morte para tanto medo?

Ser invisível que não se ver.

Existência que não se questiona.

A vida oferece sonhos.

A danadinha brinca de tirá-los.

 

Bem sei que não sei.

A morte é um bem,

Simplesmente um bem,

Rejeitada por cem.

Mas quando gera receita,

Quem aplaude essa tremenda filha da puta?

 

Mas o que será a morte?

Bem sei o que sei.

Melhor resposta vem do rato,

Que vira espécie de brinquedo.

Objeto que se transforma em comida.

 

A presa sabe quem é o predador.

O corpo treme.

Sente calafrios.

Fica paralisado.

O rato sabe porque sabe.

O instinto do medo.

Porém há aqueles que nada sabe.

Mas a morte é bem maior do que um gato.

Ela é do tamanho do universo.

Para matar usa qualquer artefato,

Inclusive o próprio gato.

 

Ela adora a vida no anonimato,

Mas também adora usar qualquer artefato.

Se a morte é do tamanho do universo,

Eu queria ser um multiverso.

Assim seria maior do que a morte.

Não teria medo,

Nem estalos no pescoço.

 

Andando nesta rua que ficou de repente tão solitária,

O que mais quero é viver.

 

Filho da puta, o medo da morte.

Embora pareça o maior ser do universo,

Assume a forma de qualquer objeto.

Como aquela caixa do Rivoltril,

Guardada no armário.

Se eu me livrar do ansiolítico,

E se eu conseguir,

Talvez eu deixe de ser tão raquítico.

Eu me tornaria maior do que o medo da morte?

 

 

Brasília, DF, Brasil, em 09 de agosto de 2018.

Filho da puta, o medo da morte. Como superar? Poema de Bomani Flávio.

poema sobre boca

Há um zíper que fecha minha boca.

Há um zíper que fecha a minha boca.

Zíper que acarreta um tremendo cala-boca.

Não importa o limão.

Por que não consigo abrir minha boca

Para falar sobre mim?

Porque há um zíper que fecha a minha boca.

Estranho horizonte assombrando meu rosto,

Que não é de desgosto.

 

Zíper que revela um conselheiro,

Tremendo filho da puta!

Pois às vezes me transforma em herói,

Outras vezes me ajuda a conseguir façanhas incríveis.

 

Mas, em muitos momentos, é horrível comigo.

Suja meu nome na praça do João ninguém.

Leva-me a fazer coisas impensáveis,

Como se eu não precisasse de ninguém.

 

Faz-me pensar que a hora da morte chegou.

Assim com aviso prévio

E todo o pacote para assustar.

 

Intimidade assombrosa

Que às vezes me deixa velho,

Já que a cara jovem não tem nada de calma.

Pentelho cruel,

Cujo último ataque fechou minha boca.

Deixou minha cara com feição de cala a boca.

Emparedamento que me leva a ficar mais em casa do que na rua.

 

Intermináveis dias com a boca fechada.

Mesmo assim, resta-me apenas a indagar-me.

Por que não consigo abrir minha boca para falar sobre mim.

Estou para explodir de tensão.

Vulcão acordado que brinca em me aterrorizar.

Luta que parece durar vinte e quatro horas.

 

Emocional instável que pode virar tudo,

Exceto um ser com coesão.

Por que não consigo abrir minha boca para falar sobre mim?

Na ponta da língua, encontro respostas.

 

Há um zíper que fecha minha boca.

Há um zíper que me impede de falar.

Maldito zíper que chegou sem avisar.

Instalou-se durante meu sono irregular.

Tornei-me retraído e encurralado.

Tenho boca, mas não posso falar.

 

Mas permite que eu abra a boca para tantas coisas.

Para comer ou escovar os dentes.

Passar o batom ou beijar.

Falar sobre política ou roer as unhas.

 

Menino sorriso vai perdendo espaço para o menino sombrio.

Mas, mesmo assim, ecoa uma voz a pedir.

Por que não consigo abrir minha boca para pedir socorro?

 

Bem que tento usar as mãos para remover a peça,

Que muda estranhamente de cor.

Como agora que está prateada.

Costurou minha boca sem eu perceber.

 

Maldito zíper que chegou sem avisar.

Tudo por causa do ontem da semana passada,

Evento que criou o funesto zíper.

Peça de calça ou bermuda se desprendeu,

Não se de qual roupa,

Se da minha ou de alguém,

Para se fixar na minha boca.

 

Boca fechada faz mal à saúde.

Espeta o ser e destrói o corpo.

Faz bem confessar.

Abrir-se para os medos assustar.

 

Há um zíper que fecha minha boca.

Há um zíper que me impede de falar.

No desespero, ao pedir por socorro,

Alguém veio me ajudar.

Alguém que entende de linguagem,

Surpreende linguagem de sinais,

Conseguiu o zíper arrancar.

 

O estranho horizonte dissipou-se,

E eu fiquei para falar.

Quanto mais eu me abrir,

Mais o zíper distante vai ficar.

 

Brasília, DF, 17 de março de 2018.

Zíper que fecha minha boca. Poema de ‎Bomani Flávio.

mudança de paisagem

Mudança de paisagem.

Mudança de paisagem é fenômeno que acontece.

Mudança de paisagem pode acontecer em cenário,

Que às vezes nem você conhece.

Mudança de paisagem pode atingir o seu esperado amanhecer,

Com trincas, terríveis trincas, de estarrecer o novo horizonte onde você está.

 

O cenário pode ser a cidade onde mora;

A casa onde habita;

O relacionamento com o cônjuge, os filhos, familiares e amizades;

A vizinhança;

A roupa, o batom, o calçado;

O passar da idade.

 

Paisagem tranquila que pode levar a qualquer um a consciência intranquila.

O quente do sol virar violenta nevasca,

De arrebentar o mais confortável lençol feito de casca.

 

Quantos cenários para surpreender e entristecer o ser!

Cenários que podem bagunçar a cabeça.

Inclusive machucar você.

Piora se a neve ou a nevasca for além da sensível pele.

Direções para norte a sul, leste a oeste,

Apontarem para destinos que, na verdade, serão verdadeiros testes.

 

Capaz disso tudo deixar você à flor da pele.

Melhor seria voltar atrás,

Para voltar à paz dos tempos do sol.

Ambientes em sintonia com a felicidade.

O fogo queima a ansiedade.

 

Mas testar a felicidade em ambiente hostil,

Vira risco para atitude vil.

Transição de tempo sempre haverá.

Cenários velhos ficam,

Cenários novos surgem.

 

O giro do planeta ao redor do sol muda a paisagem como um bruxo,

Que encanta as pessoas com a promessa de paisagem do luxo.

Parabéns ali,

Parabéns acolá.

Alegria temporária.

O resultado é nova paisagem no ser.

 

Mudança de paisagem tem seu preço.

Inundações podem assombrar.

Altas temperaturas podem esquentar demais.

Cobertores podem não esquentar.

 

O preço da mudança está no preço.

Se tiver medo da nova paisagem,

Conveniente olhar para todos os lados.

Talvez encontre uma brecha,

Para voltar atrás.

 

Se não encontrar,

Pode ser que tudo seja miragem dos olhos cansados.

Do cotidiano que surpreende com alegria e dor.

Lembre-se que mudança de paisagem é fenômeno que acontece.

 

Brasília, DF, Brasil, 03 de março de 2018.

Mudança de paisagem. Poema de ‎Bomani Flávio.