Arquivo para categoria: Poemas sobre o ser e as questões da morte.

predador

Schwarzenegger contra o invisível predador.

Schwarzenegger contra o invisível predador.

Eu silenciosamente contra a minha dor.

Ambas as lutas tão desumana.

Mesmo assim, mais fácil Schwarzenegger atrair toda a grande plateia

Do que eu atrair a mínima gente para a minha dor!

 

Dor que severamente desatina o viver.

Os olhos reviram como se fossem morrer.

A cada mordida da dor, uma nota nova,

Para indicar que a dor dói por querer.

 

Dói porque consiste em nova nota,

Para colocar em xeque o viver.

Nota que se traduz como pavor,

Medo ou qualquer tipo de terror.

 

Assim, com sair dos labrintos da dor,

Que se traduzem como medo,

Pavor ou terror?

 

Porque são labirintos ao gosto do predador.

Gosta tanto de brincar com o pó,

Que joga na cara que tudo vai virar pó.

Mas na linguagem da poderosa energia,

Que vem do sol,

O pó simplesmente não é nada.

 

Ora, como sair?

Simplesmente superar o predador,

Que impõe a linguagem do pó.

Linguagem do medo e do pavor.

 

Se não olhar para a poderosa energia do sol,

Com certeza olhará para o predador.

Schwarzenegger não olhou para o sol,

Para se escapar do domador.

Assim, concentrou-se na lama do pó.

 

Quando eu estiver em xeque,

Eu prefiro, mesmo assim, olhar para a energia do sol.

Para trazer a cura para a minha dor.

Energia que vem da árvore da vida,

Para recuar o pavor.

 

 

Brasília, DF, em 13 de julho de 2020.

Schwarzenegger contra o invisível predador. Poema de Flavio di Fiorentina.

 

cofre

Somos cofre, somos amor.

Disse-lhes, pois, Jesus outra vez:

Para onde eu vou, não podeis vós vir. João 8:21

 

Ninguém nota o cofre.

Lugar escondido aonde eu vou.

Liame tão tênue que ninguém percebe.

Mas, para lá, quase sempre eu vou.

 

Aliás, todo mundo tem um cofre,

Para guardar a dor.

Se não for para guardar a dor,

Resplandecerá intensamente o amor,

Berço do fervor.

 

E nisso está a essência da vida,

Que é o amor.

Mas tudo pode virar um cofre,

Que vai guardar, tão intensamente, a dor.

Chama que no cofre não tem pudor.

 

Pior é que tudo na vida tem intensidade.

Intensidade no amor.

Intensidade na dor.

 

Mas se o amor crescer como incêndio será um santo.

Agora o ódio espalhar-se como fogo será um capetinha,

Que habita na dor.

 

Logo, não se deve demorar no cofre.

Conviver com coisas do dia de ontem,

De todos os anos,

Até mesmo desde que se nasce,

Pode virar uma casa,

Que tem a porta de entrada,

Mas não tem a de saída.

 

Quanto mais demorar no cofre,

Mais a criatura das máscaras.

Tudo por causa da mentira, da raiva.

Talvez do ódio, medo ou rancor.

 

Infelizmente, o cofre fica à venda na beira de estrada,

Para seduzir os olhos de todos os dias.

Mas tudo poderia ser evitado,

Se eu virasse um livro aberto,

Vinte e quatro horas por dia.

Entretanto, tenho nome e sobrenome.

Eis o meu tormento de todos os dias.

 

Brasília, 16 de janeiro de 2019.

Somos cofre e somos amor. Poema de Bomani Flávio.

o guardião

O guardião estava no princípio da sua vida.

No princípio Deus criou o guardião,

Que era você.

Princípio que podia ter sido ontem,

Há dez, trinta ou trezentos anos.

Ninguém sabe o princípio,

Se você não nascer.

E se você nascer, e não vingar,

O nada não vai adiantar.

 

Em todo o princípio, pois, há um guardião,

Se você vier a existir.

Pessoal especial que entra na sua vida,

Mas que pode arruiná-la 

Como o imprevisível vendaval.

 

Talvez tenha sido assim que sua mãe viu você nascer.

Viu chorar.

Engatinhar, andar.

As primeiras palavras.

Ela era sua guardiã.

Nasceu para ser guardiã,

Até você crescer.

Talvez até morrer.

 

O seu querer então foi se fortalecendo.

Quanto mais o querer,

Mais perto o amanhecer.

 

É isso o que o guardião faz.

Surgir o querer,

Para tudo acontecer.

 

Tornar-se guardião é a missão nobre da vida.

Se não houver guardião a vida não se reproduz.

Tudo se acaba,

E nunca se renova.

 

O guardião passa a chave para o próximo guardião,

Que pode ser você.

Qual, pois, a essência de tudo?

Ninguém sabe.

Mas o guardião faz tudo acontecer,

Para a vida ser.

 

Missão que não se falha,

Mas se falhar tudo vai perecer.

E se não perecer,

Pode virar prisão.

Pode até não virar nada.

 

Tudo pode acontecer,

Se a vida correr

E nada acontecer.

O certo é abrir as mãos,

Para o protegido sentir-se bem.

Assim a vida se fortalece e renasce,

Porque um princípio gera um novo princípio.

Como o pôr do sol que gera um novo pôr do sol.

 

Brasília, 05 de janeiro de 2019.

O guardião estava no princípio da sua vida. Poema de Bomani Flávio.

peixe

Peixes no mar e o pescador.

Como peixes no mar.

Somos como peixes no mar,

Que é belo lugar.

Mas vem o impiedoso pescador,

Joga o anzol,

E somos apanhados do mar.

Apanhados sem piedade.

 

Mas pergunta para o peixe,

Nunca gostaria de sair do mar.

Sai contra a vontade.

 

O desejo é flutuar nas águas,

Sem ameaças do anzol

E de ninguém mais.

 

Tudo porque somos peixes.

Nadamos na água.

Vivemos na água.

 

Ali é a nossa vida.

Nosso passado.

Nosso futuro.

Mas, no fim, de quem é o futuro?

Do implacável pescador.

 

Isso acontece sempre.

Tudo que ornamenta atrai os olhos

Do ambicioso pescador.

 

Não importa o lugar.

Haverá sempre o pescador,

Que vive fora da  água,

Para a presa pescar.

 

Pescador invisível.

Não importa o que fizemos.

Joga o anzol

E nos tira do mar.

 

Com isca ou sem isca,

Somos tirados do mar.

Sem piedade.

 

Simplesmente para virar peixe estraçalhado,

Peixe congelado,

Peixe fresco,

Seja em supermercado,

Açougue ou na feira.

Talvez até de um ninho de uma colina.

Às vezes até de um bicho qualquer.

 

Peixe que vai para a boca.

Que vai para o lixo.

 

Essa é a vida de todo o peixe:

Virar comida do predador. 

Mas o que todo peixe quer é libertar-se.

Viver para sempre sob as águas.

Livre do predador.

 

Mas como matar o predador?

Tirá-lo da terra e

Empurrá-lo para dentro do mar.

 

Assim sentirá na pele a vida de um peixe.

Se não der certo,

Talvez inverter o caminho.

Aprender a andar sobre a terra,

Para matar o predador.

Tão enigmático quanto às origens do universo.

 

Brasília, 30 de dezembro de 2018.

Peixes no mar e o pescador. Poema de Bomani Flávio.

velório

No velório, que tristeza na despedida da pessoa querida!

No velório, que tristeza na despedida da pessoa querida!

O ser chora demasiadamente a perda sofrida.

Vale a pena derramar toda a lágrima?

Óbvio que vale derramar toda a lagrima,

Mesmo que seja a gota mínima!

 

Então chore, chore bastante, pela pessoa querida.

Una-se a  outro para compartilhar a dor,

Porque a sete palmos da terra parece haver muito euforia.

Intensa alegria pelo diamante que tanto esperou.

 

Pois todo o ser é um diamante.

Pedra preciosa para a terra e o pó.

Todo o ser é uma pedra exuberante,

Que brevemente se esfarelará em pó.

Pó que se impregna na terra,

Que contém pó.

 

Tudo, pois, virará pó.

É o paradoxo da vida,

Que tem origem na barriga

Do ser chamado mulher.

 

Infeliz desfecho no derradeiro pó.

Se for pó, tudo vira pó, se saiu do pó.

Tudo, se veio da terra, virará pó.

Quanta injustiça dessa imprevisível lei,

Decorrente da terra e do pó!

 

Então chore, chore bastante, pela pessoa querida.

Una-se com outro que chora para compartilhar a dor,

Porque a sete palmos da terra parece haver muito euforia.

Intensa alegria pelo diamante que tanto esperou.

No momento da tristeza pela pessoa que se vai,

Cada lágrima uma declaração de amor.

Cada declaração uma palavra que vem da dor.

 

Infelizmente é a lei do pó da terra.

Tudo virará pó, pois do pó foi formado.

Muito difícil de explicar na hora da dor.

Na existência tão curta e atribulada,

A pessoa vira uma enigmática estátua,

Que se transformará em pó.

 

Então chore, chore bastante, pela pessoa querida.

Una-se com outro que chora para compartilhar a dor,

Porque a sete palmos da terra parece haver muito euforia.

Intensa alegria pela joia que tanto esperou.

É o paradoxo do caro e vulnerável diamante,

Que infelizmente, na hora da venda, se desfarela em pó.

 

Brasília, 25 de setembro de 2018.

No velório, que tristeza na despedida da pessoa querida! Poema de Bomani Flávio.

medo da morte

Filho da puta, o medo da morte. Como superar?

Filho da puta, o medo da morte.

Estou andando há tempo sem norte.

Tenho vivido muito assustado,

Por causa do medo da morte.

Medo dessa espécie exauri a mente,

Mesmo de quem se acha forte.

 

Exaurimento que não se sabe como vem.

Se ficasse apenas no instinto,

Tudo ficaria bem.

 

Mas o medo da morte às vezes supera o instinto.

Vulnerabilidade que deixa meu ser assustado,

A ponto de me deixar extremamente desajustado.

 

Puta que, ao longo do dia, não vai fenecendo.

Apesar do assombro do medo da morte,

O que mais quero, afinal, é viver.

 

E viver e viver com intensidade,

Mesmo com a ajuda do Rivoltril.

Ansiolítico que consumo para me tranquilizar.

Então isso não pode ser apenas instinto!

 

O medo da morte é, pois, um complexo labirinto.

Mas o que será a morte para tanto medo?

Ser invisível que não se ver.

Existência que não se questiona.

A vida oferece sonhos.

A danadinha brinca de tirá-los.

 

Bem sei que não sei.

A morte é um bem,

Simplesmente um bem,

Rejeitada por cem.

Mas quando gera receita,

Quem aplaude essa tremenda filha da puta?

 

Mas o que será a morte?

Bem sei o que sei.

Melhor resposta vem do rato,

Que vira espécie de brinquedo.

Objeto que se transforma em comida.

 

A presa sabe quem é o predador.

O corpo treme.

Sente calafrios.

Fica paralisado.

O rato sabe porque sabe.

O instinto do medo.

Porém há aqueles que nada sabe.

Mas a morte é bem maior do que um gato.

Ela é do tamanho do universo.

Para matar usa qualquer artefato,

Inclusive o próprio gato.

 

Ela adora a vida no anonimato,

Mas também adora usar qualquer artefato.

Se a morte é do tamanho do universo,

Eu queria ser um multiverso.

Assim seria maior do que a morte.

Não teria medo,

Nem estalos no pescoço.

 

Andando nesta rua que ficou de repente tão solitária,

O que mais quero é viver.

 

Filho da puta, o medo da morte.

Embora pareça o maior ser do universo,

Assume a forma de qualquer objeto.

Como aquela caixa do Rivoltril,

Guardada no armário.

Se eu me livrar do ansiolítico,

E se eu conseguir,

Talvez eu deixe de ser tão raquítico.

Eu me tornaria maior do que o medo da morte?

 

 

Brasília, DF, Brasil, em 09 de agosto de 2018.

Filho da puta, o medo da morte. Como superar? Poema de Bomani Flávio.

sinos da igreja

Sinos da igreja, por que agitam meus ouvidos?

Barreiras, na Bahia, me fez gerar um filho, chamado o poema.

 

Sinos da igreja, melancólico som metálico.

Por que agitam meus ouvidos?

Quer se juntar ao som dos fogos de artifício?

 

Som metálico persistente.

Repetitivo tinido da tristeza,

Que vem dos sinos da igreja.

Dos cansados sinos da São João Batista,(*)

Nesta noite de uma tarde.

 

Sinos para celebrar o fim de uma vida,

Que passou por angustiante peleja,

Culminada neste dia.

 

Som que impede de andar.

Melodia que paralisa.

Som que recepciona o caixão com alguém,

Que já não é ninguém.

De quem eu não sei.

 

Velório de pequena romaria,

Na praça que era uma calmaria.

 

O que sei é que não vejo o outro caixão,

Com a consciência, o eu, o ser,

Que fazia, em outros tempos,

Aquele corpo andar, falar, chorar, rir, alegrar-se.

Correr, alimentar-se, fuder.

 

Olhei para todos os lados,

Na vã tentativa de um segundo traslado.

Olhos ansiosos que não acham o que foi descolado.

Não vi a consciência, o eu, o ser,

Que desamparou aquele corpo tão tristemente para fenecer.

 

Onde então foi sepultada a consciência, o eu, o ser,

Daquele corpo que está a jazer?

Impiedosa lei natural,

Que não exigiu a presença da consciência, do eu, do ser,

No velório do corpo que está a jazer.

 

A consciência, o eu, o ser, se falece,

Por que não está ali com o corpo a compadecer?

Quantos nascimentos, aniversários, festas,

Revelaram o eu, o ser, a consciência, que existe.

Documentos públicos, fotos, revistas e vídeos.

Havia a consciência, o eu, o ser.

Nada disso era fantasma.

Como agora também não será.

Ou será que sempre conversei com fantasma,

Revelado por triste mortuária de um corpo?

 

Pois virou obra-prima de estátua,

Que impressiona, mas não fala.

Mortuária reverenciada por choro e lágrimas.

O que está ali, não se nega, é o corpo.

Onde estará o eu, o ser, a consciência?

O sino toca novamente,

Porque o cortejo se foi.

 

Que tamanha tristeza para a consciência, o eu, o ser,

Que misteriosamente não compareceu ao velório do seu corpo!

Andar, falar, chorar, rir, alegrar-se.

Correr, alimentar-se, fuder.

Essência da vida que se ganha e se perde.

Pobre corpo que será enterrado após o triste som do sino da igreja.

Mas onde terá sido sepultada a consciência, o eu, o ser,

Daquele pobre corpo que perdeu sua cara-metade?

 

Portanto, para aonde foi a pessoa de X?

Quer dizer, o eu, o ser,

Cuja carcaça virou uma perfeita estátua,

Que não fala, não come ou não fode?

Simplesmente exala cheiro de flores,

Para em breve assustar o nariz.

 

Virou um objeto,

Sem valor algum,

A não ser para a terra,

Ansiosa pelo demorado diamante.

Quem sabe o eu, o ser,

Daquele corpo que está a jazer,

Tenha virado uma especial antimatéria,

No universo que não é azul.

 

(*) São João Batista é a catedral católica

da cidade de Barreiras, no oeste da Bahia, Brasil.

 

Brasília, DF, Brasil, em 13 de abril de 2018.

Sinos da igreja. Poema de ‎Bomani Flávio.