Arquivo para categoria: Poemas sobre o ser nos relacionamentos.

Toque

Não me toque, meu amor.

Não me toque, meu amor.

Por favor, não me toque.

Estou muito sujo.

Ir para a cama tão sujo assim

Sujará os limpos lençóis.

 

Pois preciso urgentemente de um banho

Para recuperar a energia que faz surgir os beijos intensos,

Viagens inesquecíveis ou mensagens incansáveis.

Não importa se na lua minguante,

Cheia ou crescente.

 

Enquanto não tomar meu banho,

No rio que banha a árvore da vida,

Com água que limpa a vida do casal,

Não me toque, meu amor.

Por favor, não me toque.

 

Pois o que eu vi na rua me contaminou.

Meus olhos aceitaram a luxúria.

Dormiram com a luxúria,

Que não são destes lençóis.

 

É preciso que eu recupere a coluna de fogo,

Que aparecia durante a noite.

Complemento da grande nuvem, durante o dia.

 

Somente assim os estranhos cenários desaparecerão.

Cenários que impedem os toques.

Tão comuns nas fotografias nos quartos e na sala,

Que fazem lembrar, como bússolas, do nosso amor.

 

 

Brasília, DF, em 27 de outubro de 2019.

Não me toque, meu amor. Poema de Bomani Flávio.

Como consertar um coração quebrado?

Como consertar um coração quebrado?

Meu coração está quebrado.

Estranhamente despedaçado

Neste estranho chão,

De onde não consegue sair.

Talvez porque tenha aceitado o cair.

 

Assim, como consertar um coração quebrado,

Que não consegue se livrar de um chão,

Assustador ou assombrado,

Pelas leis do verdadeiro terror?

 

Tudo por causa das nuvens,

De onde para o chão se espatifou.

Pois meu coração está quebrado,

Completamente estraçalhado,

Por ter vivido nas nuvens.

Sedução dos olhos

Do coração de fora.

Quem vive nas nuvens

Esquece do chão.

 

Nuvens são sedutoras,

Porque envolvem a imaginação.

Tudo que envolve nuvem

Envolve a imaginação.

 

Mas bem além da imaginação quer estar o coração.

Quase sempre manipulado,

Pela enganadora emoção.

 

Nuvens nos fazem sonhar com nova vida.

Amor que dura para sempre.

Buquê de flores fora de época,

Regado a champanhe ou a vinho.

Como amantes incontroláveis,

Por causa do amor nas nuvens.

 

Mas o coração partido desceu das nuvens

E espatifou-se no chão.

Queda tão grande,

Que estarreceu os olhos.

Quando abriu,

Assombrou-se com o que viu no chão.

 

Intermináveis estilhaços,

Que têm uma finalidade:

Para enfurecer o rosto

Da raiva emoção.

 

Estilhaços na sala de estar,

Na cozinha,

No quarto.

Até no carro a tristeza sem fim.

 

Como consertar um coração quebrado,

Se por todo o lugar que anda há estilhaços?

Talvez o conserto possa começar pela máscara.

Onde houver máscara,

Mais se guarda a ilusão.

Todo amor nas nuvens começa com uma ou várias máscaras,

Que, de degrau a degrau,

Levam até as nuvens,

Onde infelizmente não tem chão.

 

Brasília, DF, em 02 de junho de 2019.

Como consertar um coração quebrado? Poema de Bomani Flávio.

olho no oceano

Três olhos para amar você.

Há um olho no oceano,

Existente dentro do meu ser.

Que mira meu ser de dentro,

Não o meu ser de fora.

Se o de dentro estivesse conectado com os de fora,

Eu teria três olhos,

Para amar você.

 

Como são tão desconectados,

Assim jamais vou amar você.

Pelo menos do jeito que gosta.

 

Certo que para amar só se precisa dos dois olhos.

Às vezes um.

Outras vezes de nenhum.

Basta amar e só.

 

Mas você parece muito diferente.

Com um olho o amor aparenta insuficiente.

Com os dois da mesma forma.

Talvez com os três eu possa amar você.

 

Então estou indo bem no fundo do oceano.

Talvez eu consiga juntar os três olhos,

Conectá-los de uma forma harmoniosa,

Para finalmente amar você.

Do jeito que você gosta.

 

E se o amor não der certo com os três olhos,

Nem com dois,

Nem com um,

Saio deste oceano para conhecer o seu.

Talvez seja você quem precise dos três olhos,

Para de fato me amar.

Do jeito que eu gosto.

 

Brasília, 09 de março de 2019.

Três olhos para amar você. Poema de Bomani Flávio.

amigos

Socorro, meus amigos sumiram!

Socorro, meus amigos sumiram!

O que está acontecendo?

Meus amigos sumiram.

Agora não sei o que fazer,

Nem como devo proceder.

 

Quando os amigos desaparecem,

O quintal fica triste.

O sorriso fica nas lembranças,

E todos correndo nas fotografias.

 

Socorro, meus amigos sumiram!

Nas fotos todos estão presentes.

Mas no dia a dia a solidão sempre a abater.

 

Por que foram embora?

Isso não sei responder.

Eles foram embora.

Não deixaram recado.

Agora não sei o que fazer.

 

Amigo é patrimônio da vida.

Bem que não se deprecia.

Se for pedra bem lapidada,

A amizade, no fogo, sempre será testada.

 

Socorro, meus amigos sumiram!

Reclamação ouço de toda parte.

Minha esposa indaga onde estão meus amigos.

Ela diz que tem várias amigas.

Sou homem e não recebo visita.

Será que sou um homem parasita?

 

Socorro, meus amigos sumiram!

Agora não sei o que fazer.

Passei a vida toda tendo amigos.

Hoje resta saldo zero como nenhum.

 

Sábias, pois, são as perguntas da vida.

Contraditórias são as respostas.

Se há amigos fora do universo,

Por que também não estão dentro do universo?

 

Socorro, meus amigos sumiram!

Agora não sei o que fazer.

Busco amigo que seja da lua ou do sol,

Que esteja nas estações do querer.

 

Brasília, DF, Brasil, em 28 de agosto de 2018.

Socorro, meus amigos sumiram! Poema de Bomani Flávio.

álbum de família

Quem está ausente no álbum de família?

Quem está ausente no álbum de família?

Tanto tempo que não vejo.

Meses, anos?

Na vida moderna tão cheia de novidades,

Já não se usa o álbum de família.

O álbum de família hoje está em todos os lugares,

Menos na sala de visita.

Por que tive que olhar para o álbum,

Tão esquecido na sala de visita?

 

Álbum é coisa minúscula.

O que importa na vida é coisa graúda.

Por que o álbum de família,

Que vejo na estante esquecida,

Virou uma coisa bem graúda,

Para olhos tão seletivos?

 

Porque de lá saiu uma rã,

Tão pequena que não canso de lembrar.

Como a rã saiu de um álbum,

Agora não sei onde está.

 

Quando uma rã sai de um álbum,

Está, na verdade, resgatando o passado.

Revirar o passado tem seu valor,

Se for para reparar o bem.

 

Por que lembrar o passado,

Se o presente está indo tão bem?

Remoer o passado vira remédio,

Se o ser quer mostrar alguém.

No álbum de família que folheio,

As inesquecíveis fotos de meus pais.

As crianças brincando no quintal.

Eu, porém, na barriga de minha mãe.

 

Eu estava lá,

Sob a pele charmosa de minha mãe.

Contudo, cadê os outros personagens,

Esconderam-se por causa da falta de coragem?

 

Trata-se dos trabalhadores invisíveis,

Que criaram o ser,

Que vê estas fotos.

Onde está o espermatozoide vencedor da corrida?

Onde está o óvulo fecundado,

Que seguiu caminho triunfal para o útero de minha mãe?

 

O álbum não vai mostrar a invisibilidade.

Os seres invisíveis originam as visíveis.

Por isso que eles estavam lá,

Escondidos sob a pele de minha mãe.

 

Estavam trabalhando para esculpir o ser.

Mas eram para estar no álbum de família,

Que teria o ser do passado e o ser do presente.

Quem iria querer o espermatozoide?

Quem gostaria de ver o óvulo?

 

Todos nascem do assombroso.

Eu, meus pais, meus irmãos,

As mulheres, os homens, as crianças,

Os fisiculturistas, os modelos,

Presidentes, rainhas e princesas.

Todos nascem do assombroso,

Para dirigir o mundo.

Se nada não nascer do assombroso,

Não será deste mundo.

 

Brasília, DF, Brasil, em 22 de agosto de 2018.

Quem está ausente no álbum de família. Poema de Bomani Flávio.

espólio sentimental

Espólio sentimental.

O espólio sentimental surgirá,

Se o amor não vingar.

Tão breve quanto o broto de ramo que mal cresceu,

Quem testemunhará?

 

O que comprovará a existência desse amor?

Restarão as testemunhas,

Sejam do bem,

Sejam do mal.

Entre elas, os retratos ou as fotografias.

Espólio sentimental que ficou,

De um amor que não vingou.

 

Não chore,

Não lastime,

Se o espólio sentimental foi o que restou,

De um amor que não vingou.

Poderia listar outros não,

Mas o tempo infelizmente não esperou.

 

De que adianta os retratos ou as fotografias rirem

Cliques de viagens inesquecíveis,

Abraços e beijos, alguns em público,

Evidências, pois, de uma intensa felicidade,

Se, nos dias de hoje, sobrarem apenas o resto de uma dor?

 

A felicidade pode estar nos retratos ou fotografias,

Mas a tristeza, se acolhida,

Transformar você em um ser tão abstrato,

Que xingará, a toda hora, o presente de ingrato.

Retratos ou fotografias são ideais.

 

Assim como nem toda planta vinga,

Nem todos os ideais também vingam.

Tudo parece ideal,

À primeira vista.

Tudo parecerá ideal,

Se não encher a terra,

Aquela lá dentro do ser,

Com satisfação.

Que é pois que vem?

Nada virá,

Porque tudo no passado estará.

Pilhas e pilhas de retratos.

Muitos nas nuvens,

De um amor que se foi.

 

Se os retratos ou as fotografias não encherem a terra do ser com satisfação,

Inevitavelmente aparecerá o espólio da medicação,

Com vasto acervo infelizmente da decepção.

 

Brasília, DF, Brasil, em 17 de agosto de 2018.

Espólio sentimental. Poema de Bomani Flávio.

Desejos

Desejos escondidos sob o casaco de pele.

O mundo foi criado por desejos.

De desejos eu nasci.

Sou formado por desejos,

Criaturas visíveis e de carne e osso,

Escondidos sob o casaco de pele,

Que me cobre todos os dias.

 

A pele está por fora.

À vista dos olhos, é uma.

As criaturas estão por dentro,

Escondidas sob o casaco de pele,

Que me cobre todos os dias.

São milhares de milhares,

Encravados na terra fértil,

Extremamente fértil e oculta,

Do interior do ser do meu ser.

 

Assim, se o homem veio da terra,

Da terra também vem os desejos.

Terra fértil, bem fértil,

Onde se produzem os desejos,

Lá dentro do ser do meu ser.

 

Terra fértil, por sinal, que mal conheço.

Se fosse terra estéril,

Domaria facilmente esses bichinhos de carne e osso,

Escondidos sob o casaco de pele,

Que me cobre todos os dias.

 

Terra fértil que brota alegria.

Terra fértil que brota a tristeza.

Às vezes brotam flores de espécies estranhas,

Que exalam ansiedade sobre ansiedade.

Outras vezes exalam depressão.

Isso durante dias, semanas ou anos,

Para bagunçar o ser do meu ser.

 

São tantos desejos, milhares de milhares.

Andam por toda a parte do meu ser,

Escondidos sob o casaco da pele,

Que me cobre todos os dias.

Aquelas espécies que assustam sobremaneira o ser.

Vão e voltam,

A depender do querer,

Que muitas das vezes não controlo.

Desejos dominantes versus desejos dominados.

Que receita vou usar,

Para lidar com cada um todos os dias?

 

Talvez seja por isso que eu seja assim,

Vulnerável como uma formiga,

Com aquela imensa folha nas costas,Na calçada de tanta gente.

Bom seria que a terra fosse desértica.

Todo mundo pensaria,

Após pensar demais,

Qual caminho pegaria.

 

O mundo foi criado por desejos.

De desejos eu nasci.

Tudo nasce por causa dos desejos.

Sem desejos ninguém vive,

Nem você nasceria.

 

Desse modo, se eu errar,

Quem paga será a pele,

Não os desejos,

Criaturas visíveis e de carne e osso,

Escondidos sob o casaco da pele,

Que me cobre todos os dias.

Como domá-los?

Despertam como vulcões para bagunçar o ser do meu ser!

Vulcão ativo atormenta,

Mas muitos vulcões ativos e próximos desorientam a bússola.

Aquela que tem no ser.

 

Preciso, pois, domar os bichos selvagens,

Que assombram o ser do meu ser.

Por ora, melhor fechar os olhos por instantes.

Pensar que sou um.

Um só nome.

Uma só pessoa.

Sensação que acaba quando abro os olhos.

Os desejos são milhares de milhares.

Às vezes se comportam como anjos ou demônios,

Escondidos sob o casaco de pele,

Que me cobre todos os dias.

 

Que receita vou usar,

Para lidar com cada um todos os dias?

São milhares de milhares,

E eu apenas um.

Mas esse um tem que ser o chefe, manter-se chefe, de todos os dias.

Quanta responsabilidade para esse um!

Manter-me, a todo momento, íntegro e com sanidade!

 

Brasília, DF, Brasil, em 08 de julho de 2018.

Desejos escondidos sob o casado da pele. Poema de Bomani Flávio.

sentimento-de-culpa

O sentimento de culpa entrou pela janela.

Que sentimento de culpa é esse

Que está entrando

No interior do meu ser?

O vento diz que é a tamanha tristeza,

Estranha tristeza,

Que está a ameaçar meu ser.

Insistiu tanto que abateu meu ser,

Sem arma nenhuma para se defender.

 

Sentimento que virou uma corda.

Invisível corda.

Menos brinquedo para eu brincar.

 

Como será essa corda?

Como será esse nó?

Corda branca, azul, vermelha?

Grossa ou fina?

Peça pequena ou grande?

Nó mal feito ou bem feito?

Puta que pariu!

Basta ser uma corda,

Que machuca o ser.

 

Corda que gera uma dor de parto,

Para gerar sabe-se lá o quê.

Dor que aumenta a cada dia.

Se não aumentasse,

Ao menos eu gritaria.

 

Sentimento de culpa vagabundo!

Possibilita a satisfação dos desejos,

Por causa das inúmeras ofertas.

Mas o livre-arbítrio libera a culpa,

Que meu ser não imaginava ter.

Agora sente que virou um adulto capenga,

Que não sabe lidar com a culpa.

Se tem liberdade e é adulto, por que o sentimento de culpa?

Se a própria natureza liberou para ser um adulto,

Por que então o nó da corda no meio das entranhas?

 

Tristeza, estranha tristeza, que abate o ser.

Abate tanto que o sentimento de culpa foi crescendo, crescendo,

Até surgir um nó, nó de corda, para assustar o ser.

 

Desse jeito, como lidar com o nó nas entranhas,

Que entrou pela janela e transformou-se em corda?

Preciso descobrir como desatar esse nó.

Duas mãos, com extrema dificuldade, talvez consigam fazê-lo.

Quatros mãos podem muito mais.

Se o nó for extremamente difícil,

Uma rede de mãos pode ajudar.

 

Brasília, DF, Brasil, em 06 de julho de 2018.

Sentimento de culpa que abate o ser. Poema de Flavio di Fiorentina.