Arquivo para categoria: Poemas sobre o ser nos relacionamentos.

lua minguante

Amor nos tempos de lua minguante.

Para aonde foi a lua minguante,

Que regava a glória,

A beleza da vida do casal?

Desapareceu misteriosamente entre as nuvens do céu.

O que era tão belo, infelizmente, desapareceu.

 

Lua minguante que também foi escondendo-se,

Inacreditavelmente escondendo aquela paixão,

Até que um dia, por falta de emoção, espantosamente morreu.

 

De forma que aquele intenso amor,

Que derramava além do prato, foi diminuindo.

Com o tempo, apenas o fundo do prato apareceu.

Arranhava tanto que o talher se estarreceu.

Porque só restou a ingrata tarefa de arranhar?

Arranhar o passado que já não pode barganhar.

 

Tudo porque a lua minguante,

Com tantas fotos entre a gente,

Tinha testemunhado o intenso romance,

Que desapareceu entre as estranhas nuvens do céu.

 

Tempos de beijos intensos,

Paixões ardentes,

Viagens inesquecíveis,

Levados para um mundo distante,

Onde não havia chão.

 

Tesouros escondidos, sabe-se lá onde, além das nuvens,

De um céu que não passa avião, pássaro, helicóptero.

Não passa nada, a não ser as lembranças.

Tristes lembranças, de um passado que agora mancha.

 

Assim, nem a lua crescente,

Nem a lua cheia,

Nem mesmo a lua nova,

Recuperarão a glória de tanta paixão,

Transformada em nuvem escura,

Que não tem glamour nem compaixão.

 

Por que as coisas maravilhosas vão para o esquecimento?

Por que as coisas ruins não são esquecidas,

Como embrulhos, na estação do metrô?

 

O que aconteceu é que a lua minguante, nunca, nunca mais, voltou,

Por causa do céu nublado que pairou, pairou e ficou.

 

Às vezes, tudo quer parar e ficar,

Entre o ser e o céu.

Todavia, há coisas que vão parar, 

Além, bem além do céu.

Bendirá porque o universo é a favor.

Mal dirá se morar no lugar errado,

Por trabalhar no trampo errado.

Até mesmo por perder o amor.

 

E agora o que fazer?

A lua minguante escondeu-se,

Mas você ficou.

Ficou perplexo com o céu nublado,

Que pairou, pairou e ficou.

Ficou de boca aberta, 

Sem acreditar e chorou e chorou.

 

Melhor a incerteza das paixões,

Do que a certeza do dia a dia,

Que embaralha o coração do ser.

Nuvens do céu sempre vão aparecer.

Agora é conviver com nova paisagem,

Sem a luzente lua minguante.

 

Mas tinha que ser aquela lua minguante.

Somente àquela e nada mais.

Como não se consegue viver sem lua,

Quem sabe possa construir uma.

Lua com base no chão.

A lua C.

Lua bem do seu jeito.

 

Brasília, DF, Brasil, em 16 de junho de 2018.

Amor nos tempos de lua minguante. Poema de Bomani Flávio.

Casal

Fenda no meio da cama de casal.

Uma fenda na cama do casal.

Após três anos de serviços prestados,

Surgiu uma fenda no meio da cama do casal.

Estranho risco ziguezagueado,

Que não consigo decifrar.

Tão de repente surgiu,

Que não sei como consertar.

 

Fenda em Sãn Andreas.

Fenda no vale de Afar, na Etiópia.

Fenda no vale do Rift, no Quénia.

Fenda na região das montanhas do Bighorn.

Fenda nas roupas das mulheres.

Tantas fendas surgindo!

Agora fenda na cama do casal.

 

Cinco mil por uma exuberante cama.

Capricho de tanta vaidade,

Que não resistiu a uma fenda.

Dinheiro das férias,

Das economias de tempos difíceis,

Virando cinzas.

 

Fenda que virou um acidente geográfico.

Então não sei como proceder.

Se devo contratar um profissional.

Se devo pedir ajuda a familiares,

Se devo pedir ajuda a vizinhança.

 

Auxílio que talvez não possa ajudar.

Apenas sei que surgiu uma fenda na cama do casal.

Milimetricamente no meio da cama.

Cama de madeira boa.

Quase madeira de lei.

 

Somente eu e minha esposa sabemos do incidente.

Ninguém mais.

Não é para admirar,

Nem para se assustar,

Da fenda que surgiu no meio do nada.

Tantos serviços prestados.

Aguentou sol da noite.

Suportou a chuva de granizo.

Suportou a estiagem dos domingos.

Suportou também a lua do dia.

 

Surgiu uma fenda na fenda na cama do casal.

De tanto dormidas.

De tantas conversas.

De tantas juras de amor.

Fruto da realidade?

Fruto de uma ilusão?

 

Se não sei decifrar o estranho risco,

Pelo menos duas camas,

Duas camas de solteiro,

Reaparecem agora na geografia do quarto do casal.

Indício de que a emenda não foi bem feita.

 

Quando a emenda não for bem feita,

O traçado defeituoso começa a aparecer.

Ser dois em um vai muito além da cama do casal.

Esta é apenas um acessório,

Nada mais,

Que complementa a vida do casal.

Mas se esta quebrar tudo se quebrará.

 

Brasília, DF, Brasil, em 29 de maio de 2018.

Fenda no meio da cama do casal. Poema de Bomani Flávio.