Arquivo para categoria: Poemas sobre o controle da própria vida.

vacina

Em tempos de vacina, vou voltar ao meu coração.

 

Fui ao portão de casa. Vi pessoas e animais passando na rua.
Pronto. Encontrei, de repente, mais um motivo para escrever. Flavio di Fiorentina

 

 

Em tempos de procura pela vacina,

Vou voltar ao meu coração.

Quero quebrar esta louca rotina,

Que não acalma esta emoção.

 

Antes que eu perca a razão,

Vou voltar ao meu coração.

Misteriosa sede da emoção.

Voltar para não enlouquecer a razão.

 

Eu preciso, urgentemente, voltar ao meu coração,

Para checar do porquê da briga com a razão.

Se eu continuar permitindo a briga,

A cabeça será mais uma inimiga.

Prato cheio para todo barraco e intriga.

 

Vou voltar ao meu coração,

Antes que eu perca a razão.

Não posso adiar essa decisão.

 

Como não posso criar uma vacina,

Talvez a minha contribuição seja acalmar o próprio coração.

Antídoto para contagiar outro coração.

 

Mas, para voltar ao meu coração,

Preciso superar o deserto de Sibá,

Que, geograficamente muda de lugar.

 

Deserto que fica do lado esquerdo,

Direito ou no centro do coração,

Caso não fique no meio da razão.

 

Justamente o deserto de Sibá,

Onde meu coração se perde.

Atitude que complica a razão.

 

Em tempos de procura pela vacina,

Vou voltar ao meu coração.

Talvez encontre o antídoto.

Não para curar a minha emoção.

Porém, qual será a vacina para minha emoção?

Talvez aquela que esteja dentro da minha razão.

 

Brasília, DF, em 22 de outubro de 2020.

Em tempos de vacina, vou voltar ao meu coração. Poema de Flavio di Fiorentina.

sentido da vida

Voando de paraquedas aos 102 anos de idade.

Homenagem a Dira, moradora de Boituva, São Paulo. Uma senhora com 102 anos de idade.

Voando nos céus de paraquedas,

Para entender o sentido da vida.

Estou voando no paraquedas,

Tendo na bagagem muita vida.

 

A de cento e dois anos de idade.

Será agora meu estilo de vida?

Se não superar os paraquedas,

Como vou superar as previsíveis quedas?

 

O chão eu já conhecia demais.

Precisava também conhecer os ares.

Voar como aqueles animais,

As aves do céu.

Se o chão fascina os olhos,

Do alto pode haver muita emoção.

 

Então pode divulgar para todo o mundo.

Estou voando de paraquedas,

Para a vida não ser tão azeda.

 

Não há restrição para a idade,

Se tudo vem da vontade.

A fragilidade poderá estar no coração,

Nem tanto na cautelosa razão.

 

Estou voando de paraquedas,

Nos cento e dois anos de idade.

Tudo vem da vontade,

Mas tem que ter coragem.

Todo o ser consegue realizar proeza,

Mas, na debilidade, tem que ter frieza.

 

Brasília, DF, em 01/04/2019.

Voando de paraquedas aos 102 anos. Poema de Bomani Flávio.

cuidados pessoais

Dilema dos cuidados pessoais.

De cuidados e cuidados.

Eu preciso de cuidados.

De cuidados pessoais.

Zelo pela limpeza da casa.

Cuido das crianças com capricho.

 

Faço o café da manhã com primor.

Levo as crianças à escola,

Aonde vão sempre bem arrumadas.

Mas, com o tempo, percebi que desaprendi a cuidar de mim.

 

Socorro!

Socorro!

Eu preciso de cuidados.

De cuidados pessoais.

Infelizmente não estou sabendo cuidar de mim.

 

Pois o que está acontecendo comigo?

Colesterol alto que não cai.

O triglicerídeo sempre aumentando.

A pressão arterial que só se acalma com remédio.

 

Socorro!

Socorro!

Eu preciso de cuidados.

De cuidados pessoais.

Quando tento usar uma roupa mais ousada,

A barriga não cabe o vestido mais largo do guarda roupa.

A culpada sou eu, não são os doces.

 

Apesar de todas esses dilemas,

Agora chega a ansiedade.

Tão faceira quanto uma péssima conselheira,

Que chega no silêncio para debochar dos meus cuidados.

Sinto às vezes falta de ar.

A impaciência vai ao limite.

Parece que a depressão está chegando.

 

Assim, vou pirar como elefante fora da savana.

Socorro!

Socorro!

Eu preciso de cuidados.

Já as crianças serão as adultas

E eu voltarei a ser criança.

Voltarei ao colo da minha mãe,

Para reaprender a cuidar de mim.

 

Brasília, DF, Brasil, em 18 de julho de 2018.

Dilema dos cuidados pessoais. Poema de Bomani Flávio.

controle

Eu preciso assumir o controle da própria vida.

De braços abertos para mim mesmo,

Olho para o horizonte amarelado,

Que se vai.

Como um galo acanhado no amanhecer,

Anuncio meu quase rouco canto coro-cocó.

Eu preciso assumir o controle da minha vida.

Eu preciso assumir o controle.

 

Pois outro janeiro chegou.

E chegou também o eterno dogma da família,

Que me assusta como uma tempestade que nunca vai embora.

Virou uma tosse.

Quase uma tosse alérgica,

Que me tem levado, às vezes, à confusão mental.

 

Eu preciso assumir o controle da própria vida.

Eu preciso assumir o controle…

Porém, diferente de uma criança que vejo soltando pipa em minha frente,

Já não tenho dez anos de idade,

Nem vinte e poucos anos,

Nem trinta e poucos anos.

 

Mas, às vezes, ouço que eu preciso assumir o controle da própria vida,

Da tão incerta vida,

Como se, se não tiver o controle,

Tudo perecerá.

Dias atrás ouvi inflamado discurso no início das férias de verão.

Ontem o tema dominou o café quase que a manhã toda.

Hoje, porém, me perco nesse devaneio.

 

Eu preciso assumir o controle da própria vida,

Para, quem sabe, descobrir onde está minha identidade oficial,

Se é que preciso do documento.

Eu preciso assumir o controle da própria vida,

Para melhorar no trabalho,

Em casa

Ou no amor dos anos.

Porém, como controlar,

Se tudo parece tão incerto?

A vida começa com a matemática dos nove meses,

Mas termina por um obscuro cálculo da natureza,

Desconhecido pela ciência.

Muitos chamam de fatalidade.

O que não é.

Por que para morrer não se computa os nove meses de aviso?

Por que o descontrole?

 

Controle, controle e controle!

Como é bom ter o controle da própria vida!

Como é bom ter o controle das coisas!

A chave do carro, pilotar máquinas,

Estudar, obter sucesso,

Namorar pessoas bonitas e poderosas,

Ter a própria família.

Controlar até para mandar em alguém.

Resta-me então fugir para contemplar o Rio Grande(*),

Sentado sobre este cais.

 

Observo que as águas do rio caem da esquerda para a direita,

Em uma cadência mais rígida do que desfile militar.

Desde que nasci, o curso do Rio Grande sempre foi assim.

O Rio Grande controla o curso de sua água.

 

Mas a inglesa Holly Butcher(**), no leito da morte,

Não pode controlar o curso da própria vida:

“É uma coisa estranha perceber e aceitar a sua mortalidade aos 26 anos de idade.

É apenas uma daquelas coisas que ignoras”

“Não quero ir. Eu amo a minha vida. Estou feliz…

Mas o controle está fora das minhas mãos.”

Assim como o horizonte se vai,

Holly Butcher se foi.

O controle está fora das mãos.

Mas o controle eterno da própria vida

Será possível?

Eu fico em meus devaneios.

 

Eu preciso assumir o controle da própria vida.

Às vezes a própria vida tem o outro lado da moeda!

Doenças surgem para desafiar o controle,

De quem acha que é o dono da própria vida.

 

O próprio Rio Grande sofre ameaça em seu curso,

Se a chuva não cair lá na cabeceira.

Controle e ameaça sempre conviverão juntos.

Já não tenho sessenta e poucos anos,

Nem noventa e poucos anos.

Mas eu preciso assumir o controle da própria vida,

Porque há em tudo um controle.

Bem além do que se possa fazer.

 

A morte é, por natureza, o controle do controle.

Maldição que expulsa a vida da vida.

Segredo ainda não desvendado.

Eu querendo controlar a minha própria vida,

E ela querendo fazer seu próprio controle.

O terrível controle de mortalidade,

Que se junta ao controle da minha família.

 

Volto a tossir.

Eu preciso assumir o controle da própria vida.

Eu preciso assumir o controle…

Eu preciso assumir…

Eu preciso…

Eu…

Assim me tornarei um robô

Dos anos noventa.

 

(*) Rio Grande é um rio que banha a cidade de Barreiras, no oeste da Bahia, estado do nordeste brasileiro.
(**) O poema é homenagem à inglesa Holly Butcher, vítima do câncer em janeiro de 2018.

 

Barreiras, Bahia, Brasil, no dia 19 de janeiro de 2018.

Eu preciso assumir o controle da própria vida. Poema de Bomani Flávio.

prestando atenção

Estou prestando atenção mais em mim.

Estou prestando atenção mais em mim.

Em cada coisa que faço, leio ou vejo.

Não apenas em que coisas que, por intuição, antevejo.

Como agora em que me maquio.

Ritual esquecido, porém recuperado,

Pela linda penteadeira que acabo de comprar.

 

Penteadeira com espelho oval e básica,

Para eu me cuidar.

Há que se ter um ponto de partida.

 

Quando alguém perguntar como conseguiu a mudança,

É porque agora estou prestando atenção mais em mim.

Mania ou medo, parasita silencioso,

Que deixei entrar em minha vida,

Está ficando para trás.

Lá no fim da rua que não existe.

 

Os cuidados maternos são modelos que, infelizmente, deixei não aflorar.

Lembro-me que qualquer ameaça como bebê ou criança era só chorar,

Que minha mãe vinha, às vezes tropeçando, me confortar.

Cuidar de si é também se gerenciar.

 

Se não eliminar incertezas,

Aparecerão diversos cuidadores invisíveis,

 

Como o clonozepam, as drogas e o alcoolismo.

Os dias atuais não ajudam para quem anda sempre em alta velocidade.

Se for isso mesmo, nada enxergarei com cumplicidade,

Exceto se não se importar com regra nenhuma para deixar com vulnerabilidade.

 

Estou prestando atenção mais em mim para remover rugas,

Que se impregnaram em baixa velocidade, sem pedir permissão.

O resultado já se conhece: o que me falta pode ser falta de coesão.

 

Mas a penteadeira é só um acessório.

Inclusive os novos sapatos,

As novas roupas, os perfumes.

 

Maquiando-me vou me conhecendo melhor.

Tempo gasto mais importante que o tempo perdido,

Sombra de terror que não volta mais.

 

Eu mesmo sou minha vida, meu gerente, minha própria sentinela.

Estou agora me conhecendo melhor.

No que eu gosto e no que me entristece.

Estou prestando mais atenção em mim.

 

Brasília, DF, Brasil, 19 de dezembro de 2017.

Prestando atenção. Poema de ‎Bomani Flávio.