Arquivo para categoria: Poemas

Hubble

O Hubble devia fotografar meu quintal.

O Hubble está bem longe.

Voando para fotografar outros quintais.

Aqueles mais distantes.

Terras de perder de vista.

Grandeza que não consigo entender.

 

Mas devia fotografar meu quintal.

O que mais me chateia.

Onde estou agora.

O quintal de perto.

O que vejo além da janela.

 

Espaçozinho que faz os olhos encher-se de lágrimas.

Faz doer a cabeça.

Quintal que exige dinheiro no bolso.

Tudo tem que ter dinheiro.

Quando não tenho, não sou nada.

 

Este quintal é bem difícil de entender.

Se a missão do Hubble parece difícil,

A minha só tem aparência de fácil.

 

Ora as pessoas estão alegres,

Outras vezes estão tristes e violentas.

Transparece alegria em tempos de paz.

Outras vezes querem destruir este templo,

Que é o vilarejo onde moro.

 

Quintal compartilhado que me dar tremenda dor de cabeça.

Penso às vezes em fugir para além das montanhas.

Mas será que o quintal de lá é mais tranquilo do que onde eu estou?

 

Talvez seja melhor ficar no meu próprio quintal.

Assim terei que suportar a cidade inteira,

Para viver bem.

A começar por minha família,

Meus amigos, trabalho, faculdade, meu País.

Todos com mandamentos de encher livros e livros.

 

Tomara que as fotografias do Hubble desvendem as origens do universo.

Quem sabe possam servir para desvendar as tantas cercas,

Infinitas e complexas cercas,

Dentro do meu próprio quintal.

 

Brasília, 10 de fevereiro de 2019.

O Hubble devia fotografar meu quintal. Poema de Bomani Flávio.

Sol

O termômetro do nosso amor é o sol.

Baby, agora é você quem não atende as ligações.

As mensagens se acumulam como o trânsito de manhã.

Mas eu vou lembrar da nossa promessa.

O termômetro do nosso amor é o sol.

 

Quantas vezes repetimos o nosso slogan

Nos ouvidos de um e de outro.

O aeroporto foi a última testemunha.

O que está acontecendo?

Talvez a culpa seja das interferências.

 

E torno a lembrar da promessa.

Agora distante, por causa do trabalho.

O termômetro do nosso amor é o sol.

Quando não houver o sol no nosso amor,

Então esse dia morrerá e levará o nosso amor.

 

Mas, por favor, não meça nosso amor pelas chamadas não atendidas.

Envio de mensagens com leituras demoradas.

Respostas de torpedos com excesso de atraso.

 

Isso são interferências entre nós.

O amor transparente como o sol não sobrevive de suspeitas.

Tudo diante do sol é queimado, é testado.

O nosso amor tem o calor do sol.

O nosso amor nasceu debaixo do sol.

Mas será que nasceu sob o sol das nuvens,

Que não tem calor nem o suor?

 

Brasília, 09 de fevereiro de 2019.

O termômetro do nosso amor é o sol. Poema de Bomani Flávio.

big bang

Como escapar da zona escura do big bang?

Como escapar da zona escura do big bang,

Aonde fui aprisionado sem me perguntar?

Jaula que poderia ter outro nome,

Menos zona escura do big bang.

 

Não há prisão pior no mundo,

Como a zona escura do big bang.

 

Essa prisão não tem endereço fixo.

Não tem soldado para prender.

Não tem carcereiro para vigiar.

Prisão igual a esta no mundo não há.

 

Embora não tenha sequer segurança,

Desta prisão não consigo escapar.

 

Quem sabe essa tenha sido a origem do big bang.

Tudo estava preso em algum lugar.

E de repente explodiu e explodiu,

Para a vida começar.

 

Pois antes tudo era escuro.

Veio o big bang,

Que tudo explodiu.

 

Tudo aconteceu.

Tudo virou luz,

Que gerou vida.

Gerou você e eu.

 

Mas inexplicavelmente preservou a escuridão.

Zona escura da qual não consigo escapar.

Rota que ninguém deve entrar

E de onde não se consegue escapar.

 

Às vezes tento fugir.

Mas descubro que estou pesado.

Então não consigo caminhar.

Preste atenção, não venha para cá.

 

Vim porque era o paraíso.

Todas as lascívias,

Todos os desejos.

Tudo eu podia realizar.

 

Mas na hora de voltar,

A porta se fechou.

Por que se fechou?

Porque eu estava pesado.

Tão pesado que mal conseguia andar.

 

Dentro da zona escura do big bang,

O ser cede as vontades facilmente.

O prudente vira imprudente.

De cima da montanha os reinos se mostram,

De tal forma que qualquer um se rende.

 

Preciso sair da zona escura do big bang.

E tem que ser antes da lua verde.

Lua que ocorre quando a vontade se renova.

Mas como escapar da zona escura da explosão?

Estou mais pesado do que um navio,

Encalhado dentro de um caís redondo,

Feito justamente para não sair.

 

Desse jeito, jamais vou escapar.

Embora a prisão não tenha segurança,

Infelizmente daqui não consigo fugir.

 

Os grilhões de aço me impedem de caminhar.

Meus próprios deleites criaram os grilhões.

Era pessoa pacata e tranquila.

Os desejos me aprisionaram neste lugar.

 

Mas resta-me a esperança de outras fugas.

Se conseguiram fugir de Papilon,

Alcatraz ou Sagmalicar,

Então um dia conseguirei escapar.

Mas talvez seja melhor encontrar o verbo.

Dizer haja luz e com autoridade.

 

Quem sabe assim tudo possa explodir,

Para a vida eu recomeçar.

É loucura, pois, muita  loucura,

Está preso na zona escura do big bang.

Ninguém vai acreditar nesta prisão maluca,

Que nem eu mesmo sei onde fica esse lugar.

 

Brasília, 22 de novembro de 2018.

Como escapar da zona escura do big bang? Poema de Bomani Flávio.

O conflito de Gaza pode roubar meu coração.

Preciso aprender a guardar meu coração,

Antes que o conflito de Gaza mine qualquer ação.

Se eu não reagir diante de iminente ameaça,

Não conseguirei guardar o outro coração.

O que carrego em uma das mãos.

 

Mas guardar o coração em uma das mãos causa tremendo desconforto.

Ele fica exposto às intempéries.

Se já não consigo guardar o de dentro,

Conseguirei guardar com fervor o de fora?

Coração fora tem o risco da infecção.

Poderia muito entrar em putrefação.

 

Lembro que tenho sido capaz de guardar tantas coisas na vida.

Não conseguiria guardar o outro coração?

Sei muito bem da dificuldade de cuidar do de dentro,

Ciência tenho da dificuldade para cuidar do de fora.

 

Dificuldade que está na iminente ameaça de Gaza,

Que pode minar qualquer ação.

Gaza quer minar a vida.

Roubar o segredo,

Que está em minhas mãos.

 

Preciso aprender a guardar meu coração,

Antes que o conflito de Gaza mine qualquer ação.

Dizem que o segundo coração duplica anos de vida.

Talvez triplique ou quadruplique.

Isso só pode ser pura enganação.

 

Expor-se, porém, é a mais fraca das armas,

Se não souber guardar o segundo coração.

 

Gaza é se expor.

Perder a vergonha de si.

Quanto mais se expor,

Mais fora o coração.

 

Com reza, oração ou confissão,

Preciso guardar meu coração.

Caso contrário, o conflito de Gaza pode minar qualquer reação.

 

Conflito que não é geográfico.

O pior dos conflitos vem de dentro para fora.

Não aceita qualquer filtro.

Tudo isso pode acontecer,

Se o conflito de Gaza roubar meu coração.

 

Aliás, coração que é coração,

Não deve ficar exposto,

Mesmo que seja o segundo coração.

 

Coração exposto na mão não é lugar para guardar o coração.

Melhor guardado do que mais um peso na mão.

Esta tem que ficar livre,

Mas para isso preciso aprender a guardar meu coração.

 

Brasília, 9 de novembro de 2018.

Preciso aprender a guardar meu coração. Poema de Bomani Flávio.

Um terrível dilúvio saiu do meu pensamento.

Hoje é sábado e ouço som de avião passando sobre minha casa.
Todos estamos em casa.
Logo na véspera do horário de verão tardio.
Brasília agora está tranquila sob leve céu nublado.

 

Quanto dilúvio de água derramou em minha cidade!

Quando acordei, bastante água saiu do meu pensamento!

Quanto mais água saía do meu ser,

Mais meu ser levitava nas águas do amadurecimento.

Intensidade de água que estarreceu meu ser.

Bagunçou meu próprio calendário.

 

Dois dias viraram ano.

Cinquenta minutos três dias.

Talvez não haja outro igual.

 

Água que sai do pensamento.

Água que invade tudo onde o pé pisa.

Começa no mais simples sentimento,

Até romper a semente dentro do ser.

 

Poderosa terra do coração do ser.

Todo o quarto cheio de água.

Minhas roupas molhadas.

 

Toda a mobília debaixo d´água.

Eu levitava sobre a água.

Eu afundava sobre os mares.

Estaria ficando doido com tanta água?

 

Mais água que todos os oceanos.

Que dilúvio desumano!

Andei e nadei por estranhos mares.

O sol há muito que não se via.

Não houve prenúncio de água.

Não houve alertas de profeta,

Nem havia preparado uma arca,

Para me proteger desse tipo de água.

 

Intensidade que veio do sul, do norte, do oeste, do leste e de cima.

Enfrentei raios e trovoadas,

Estranhas trovoadas,

De não ter alvoradas.

Dias intermináveis navegando.

Como é ruim navegar sem-terra a avistar!

 

Para onde foi tudo mundo?

Onde não tinha gente, tinha peixes.

Muitos de assustar a existência.

Mas a alvorada finalmente chegou.

Ao abrir os olhos, não acreditei.

Sobrevivi os sombrios mares de dentro.

Sobrevivi os mares de fora.

Mares de dentro são os que estão dentro do ser.

Também são os que estão fora.

Sobrevivi o grande dilúvio.

 

Superei a travessia solitária dos mares.

Mais solitária que a remo de Klink.

A síndrome do pânico ficando para trás.

As esquizofrenias sem as esquizos .

Ondas de calor,

Boca seca,

Tontura,

Mãos frias e suadas,

Sensação de falta de ar.

 

Lista do terror saindo do pensamento.

Entre o meu ser e o nascimento,

Por onde entrou tudo isto?

 

Brasília, 03 de novembro de 2018.

Um terrível dilúvio  saiu do meu pensamento. Poesia de Bomani Flávio.

Brilhar como um vagalume para vencer o medo da noite.

Preciso brilhar como um vagalume,

Para vencer o medo da noite.

Se eu vencer o medo da noite,

Vencerei o medo do dia.

Preciso brilhar como um vagalume,

Que voa na noite com tal costume.

 

De tanto viver com a luz apagada,

Por causa do medo,

Surgiu uma luz.

Assim do nada.

Luz que vem de um simples vagalume.

 

Preciso brilhar como um vagalume,

Para enfrentar os terrores.

São tantos os terrores da noite.

Também são os da luz do dia.

 

Mas como vou brilhar?

Olhando para o vagalume.

Este tem a luz,

Mas não tem perfume.

Eu, é claro, não tenho luz,

Mas tenho meu perfume.

 

Preciso exalar meu perfume.

Toda pessoa tem seu perfume.

Para descobrir o cheiro que tem,

Saia na noite como pirilampo.

Verá que de bom alguma coisa tem.

 

Somente não quero exalar o medo.

Aquele que vem das raízes da noite.

Plantas que emitem terrores.

São muitos os terrores da noite.

Por isso preciso brilhar como um vagalume.

 

Terrores que têm asas e olhos.

Mas de um quero ter medo.

De não brilhar como um vagalume.

Mesmo na noite que possa vir a me entristecer,

Eu preciso brilhar como um pirilampo,

Que voa na noite com tal costume.

 

Mas jamais me esconder,

Por causa dos terrores da noite.

E para não me esconder,

Apenas brilhando como um vagalume.

 

Igual àquele que se esbarrou em meu pescoço,

Naquele dia de intensa tristeza de um medo sem nome.

O bichinho me fez lembrar que preciso brilhar,

Para suportar a noite de qualquer lugar.

 

Brasília, DF, em 26 de outubro de 2018.

Preciso brilhar como um vagalume. Poema de Bomani Flávio.

Rugas chegaram com delicadeza em meu rosto.

Rugas chegaram com delicadeza em meu rosto.

Sinais com vincos profundos.

Mas vieram tão de mansinho,

Ao longo dos anos.

Tanta delicadeza enganaram meus olhos,

Tão exigentes com a alimentação e o bem-estar.

 

Mas por que somente agora fui me dar conta?

Oitenta aniversários com parabéns e bolos!

Como esta máscara tão cheia de vincos,

De vincos tão profundos,

Instalou-se em meu rosto sem ao menos me avisar?

 

Apalpo meu rosto novamente.

Os vincos estão todos lá.

Acordo no dia seguinte e continuam lá.

 

Porém se propagam sobre o pescoço, as mãos e os braços.

Tudo parece tão diferente e impregnado!

Onde está minha pele de pêssego,

Que eu não reconheço mais?

Quem foi o pintor que,

Na calada da noite ou sob o intenso sol,

Foi redesenhando meu lindo rosto?

Resultado de um trabalho de artesão,

Que meu ser procura entender.

 

Toco novamente com delicadeza a pele do meu rosto.

Onde está minha pele de pêssego,

Que eu não reconheço mais?

 

Pois o que sinto são vincos,

Profundos vincos,

Que vieram para ficar.

 

Minha pele de pêssego só pode estar no casulo.

Naquele casulo preso na goiabeira,

Que vejo por meio da janela da cozinha.

 

Onde há casulo, há troca do que era pelo que está chegando.

Fui permitindo como uma presa diante do predador.

Mesmo que eu contratasse um exército,

Não tinha como vencer um animal que se prolifera.

Talvez a culpa seja dos aniversários.

Quanto mais aniversários,

Mais licença fui concedendo.

 

Mas não tem como resistir a força de um pintor,

Cujo rosto ninguém vê.

Ele pega o lápis, sem precisar de prancha,

E vai desenhando linhas e mais linhas.

 

Mais vou olhar para a goiabeira do quintal.

Quem sabe olhando para os casulos,

Eu descubro o rosto do pintor.

 

Brasília, DF, em 23 de outubro de 2018.

Rugas chegaram com delicadeza em meu rosto. Poema de Bomani Flávio.

Onde comprar o futuro?

Onde comprar o futuro?

Onde comprar o amanhã?

Milionários querem comprar,

Mas vendedor não há.

 

Quem não quer comprar o futuro?

Moedas não faltam.

Onde estaria à venda?

 

Moeda tão preciosa assim ainda não existe para comprar.

Procurei em todo o mercado,

Mas, por ser produto tão precioso,

Mais que o euro, dólar, ouro, bitcoin,

Infelizmente não consigo encontrar.

 

Por mais que eu insista,

Onde se vende o amanhã para comprá-lo?

 

Andei milhares de quilômetros,

Cruzei oceanos,

Atravessei desertos de assombrar a morte,

Furei fronteiras de bala,

Enganei cães farejadores bem nutridos e treinados,

Para comprar o porvir.

 

Mas no país onde estou,

Ninguém sabe como comprar.

Mas comprar o quê?

Comprar o bendito futuro.

 

Infelizmente aqui nada achei.

Também não vi ninguém.

Poderia ser qualquer traficante,

Inclusive com dezenas de reincidência,

Para me vender o futuro.

 

Preciso urgentemente de mais futuro.

Preciso viver mais cinco, trinta, ou mais anos.

Muitas invenções estão por surgir,

Inclusive a que ainda falta,

Qual seja, a vida eterna.

Quem sabe ajudar enfermos,

Que pode virar um Zé ninguém.

Tenho 3 bilhões e quero comprá-lo.

Mas disseram que a pedra preciosa está em Marte.

Talvez em Júpiter ou Saturno.

 

Onde encontrar o amanhã,

Para que eu possa suborná-lo?

Mesmo tentando adivinhar,

A pedra preciosa não se vende.

 

Como dádiva da vida,

O amanhã é de graça.

A moeda mais preciosa estranhamente é de graça.

Vai-se doando assombrosamente,

Para a vida continuar.

 

Agora sei, e sei muito bem,

O futuro é moeda preciosa.

Tão preciosa que não acho para comprar.

 

O doador simplesmente doa a moeda,

Tão de graça que os ladrões tentam tirá-la.

 

Resta-me ficar nos devaneios.

Talvez nos devaneios nasçam a esperança,

De uma ressurreição que vem dos sonhos.

Mas há o temor de uma ressurreição.

Será pela biotecnologia?

Que se possa esticar a vida,

Para pouca gente,

Que tem euro, dólar, bitcoin.

 

Brasília, 22 de outubro de 2018.

Onde comprar o futuro? Poema de Bomani Flávio.