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Consciência negra – Dia da Consciência.

A consciência negra da minha mente,

Herança invisível,

Que resistiu, com bravura,

A chibatadas e grilhões,

Contra os pais dos pais dos meus pais,

Não sei porquê, me trouxe a Salvador.

 

Cidade bonita, beleza incomparável,

Ainda assim, por que me assustar?

 

Mas avisto o porto de Salvador,

Do mirante do Lacerda.

Daqui, onde estou, decerto, não vou pular.

Só muito sol para o neurônio queimar.

 

A consciência negra da minha mente,

Não sei porquê, agitada está,

Por premonição,

Para cumprir o que se cumpriu.

 

Assume o porte de Transatlântico,

Beleza de inigualável engenharia,

Que de repente grita

Com seu apito, som da alegria.

 

Som sedutor, porém, que não existiu, com certeza,

Em outro Transatlântico,

De intransigente dureza.

 

Melhor dizer navio negreiro,

Clandestino cargueiro

De propagado comércio ilegal

De pessoas.

 

Embarcação com extrema insalubridade,

Que aqui, infelizmente, aportou,

Ao trazer povo para várias finalidades,

De etnias tão próximas,

Para minar-lhe o valor.

 

Se as imagens dos atuais refugiados assustam,

Por causa de tantos cliques das fotografias,

Muito mais assustaria ver crianças magras,

Algumas ainda nas tetas das mães,

Em terras que ainda são o Brasil.

 

Como dizia angustiada testemunha,

O senhor Castro Alves, dos escravos, o poeta.

Pais cujo ganha-pão seria o trabalho forçado,

Juventude e infância gastas em severas lavouras,

Sem nenhum fator de proteção solar,

Muito menos repelente contra mosquitos.

 

O Transatlântico vai aportando,

Muito próximo do lugar agonizante

Que outrora testemunhou,

Debaixo de tanto sol,

Sofrimento com tanta gente.

 

Lugar esquecido,

Sem qualquer placa de aviso,

Para os cliques dos namorados.

 

Sobrou para relatar a vergonha ocorrida.

O que sabiamente Zumbi e outros fizeram,

Sumir para Palmares,

Superando, com pânico,

Isso foi certo,

Impossíveis travessias de mares e oceanos.

 

Apenas para proteger-se da consciência branca,

Que sequer tinha consciência negra na cabeça branca.

 

A consciência negra da minha mente,

Não sei porquê, me trouxe a este lugar.

 

De tanto, porém, andar nos arredores do Lacerda,

Encontrei, entre escombros,

Placa enferrujada em lixo esquecido,

Perto de tricentenárias igrejas,

Com inscrição quase apagada pelo tempo:

“perdoar sim, todavia,

Jamais esquecer

O que aqui se fez,

Com tanta gente.”

 

Resta-me voltar ao Lacerda,

Reaver, mesmo que de longe,

Luxuoso Transatlântico ancorado.

Decerto servido com vinho nobre e

Extrema salubridade a desfrutar.

Talvez no mesmo lugar,

Onde houve tanto choro a lamentar.

 

Brasília, 20 de novembro de 2017 às 00:49

A consciência negra. Poema de Bomani Flávio.