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sinos da igreja

Sinos da igreja, por que agitam meus ouvidos?

Barreiras, na Bahia, me fez gerar um filho, chamado o poema.

 

Sinos da igreja, melancólico som metálico.

Por que agitam meus ouvidos?

Quer se juntar ao som dos fogos de artifício?

 

Som metálico persistente.

Repetitivo tinido da tristeza,

Que vem dos sinos da igreja.

Dos cansados sinos da São João Batista,(*)

Nesta noite de uma tarde.

 

Sinos para celebrar o fim de uma vida,

Que passou por angustiante peleja,

Culminada neste dia.

 

Som que impede de andar.

Melodia que paralisa.

Som que recepciona o caixão com alguém,

Que já não é ninguém.

De quem eu não sei.

 

Velório de pequena romaria,

Na praça que era uma calmaria.

 

O que sei é que não vejo o outro caixão,

Com a consciência, o eu, o ser,

Que fazia, em outros tempos,

Aquele corpo andar, falar, chorar, rir, alegrar-se.

Correr, alimentar-se, fuder.

 

Olhei para todos os lados,

Na vã tentativa de um segundo traslado.

Olhos ansiosos que não acham o que foi descolado.

Não vi a consciência, o eu, o ser,

Que desamparou aquele corpo tão tristemente para fenecer.

 

Onde então foi sepultada a consciência, o eu, o ser,

Daquele corpo que está a jazer?

Impiedosa lei natural,

Que não exigiu a presença da consciência, do eu, do ser,

No velório do corpo que está a jazer.

 

A consciência, o eu, o ser, se falece,

Por que não está ali com o corpo a compadecer?

Quantos nascimentos, aniversários, festas,

Revelaram o eu, o ser, a consciência, que existe.

Documentos públicos, fotos, revistas e vídeos.

Havia a consciência, o eu, o ser.

Nada disso era fantasma.

Como agora também não será.

Ou será que sempre conversei com fantasma,

Revelado por triste mortuária de um corpo?

 

Pois virou obra-prima de estátua,

Que impressiona, mas não fala.

Mortuária reverenciada por choro e lágrimas.

O que está ali, não se nega, é o corpo.

Onde estará o eu, o ser, a consciência?

O sino toca novamente,

Porque o cortejo se foi.

 

Que tamanha tristeza para a consciência, o eu, o ser,

Que misteriosamente não compareceu ao velório do seu corpo!

Andar, falar, chorar, rir, alegrar-se.

Correr, alimentar-se, fuder.

Essência da vida que se ganha e se perde.

Pobre corpo que será enterrado após o triste som do sino da igreja.

Mas onde terá sido sepultada a consciência, o eu, o ser,

Daquele pobre corpo que perdeu sua cara-metade?

 

Portanto, para aonde foi a pessoa de X?

Quer dizer, o eu, o ser,

Cuja carcaça virou uma perfeita estátua,

Que não fala, não come ou não fode?

Simplesmente exala cheiro de flores,

Para em breve assustar o nariz.

 

Virou um objeto,

Sem valor algum,

A não ser para a terra,

Ansiosa pelo demorado diamante.

Quem sabe o eu, o ser,

Daquele corpo que está a jazer,

Tenha virado uma especial antimatéria,

No universo que não é azul.

 

(*) São João Batista é a catedral católica

da cidade de Barreiras, no oeste da Bahia, Brasil.

 

Brasília, DF, Brasil, em 13 de abril de 2018.

Sinos da igreja. Poema de ‎Bomani Flávio.