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Eu preciso assumir o controle da própria vida.

De braços abertos para mim mesmo,

Olho para o horizonte amarelado,

Que se vai.

Como um galo acanhado no amanhecer,

Anuncio meu quase rouco canto coro-cocó.

Eu preciso assumir o controle da minha vida.

Eu preciso assumir o controle.

 

Pois outro janeiro chegou.

E chegou também o eterno dogma da família,

Que me assusta como uma tempestade que nunca vai embora.

Virou uma tosse.

Quase uma tosse alérgica,

Que me tem levado, às vezes, à confusão mental.

 

Eu preciso assumir o controle da própria vida.

Eu preciso assumir o controle…

Porém, diferente de uma criança que vejo soltando pipa em minha frente,

Já não tenho dez anos de idade,

Nem vinte e poucos anos,

Nem trinta e poucos anos.

 

Mas, às vezes, ouço que eu preciso assumir o controle da própria vida,

Da tão incerta vida,

Como se, se não tiver o controle,

Tudo perecerá.

Dias atrás ouvi inflamado discurso no início das férias de verão.

Ontem o tema dominou o café quase que a manhã toda.

Hoje, porém, me perco nesse devaneio.

 

Eu preciso assumir o controle da própria vida,

Para, quem sabe, descobrir onde está minha identidade oficial,

Se é que preciso do documento.

Eu preciso assumir o controle da própria vida,

Para melhorar no trabalho,

Em casa

Ou no amor dos anos.

Porém, como controlar,

Se tudo parece tão incerto?

A vida começa com a matemática dos nove meses,

Mas termina por um obscuro cálculo da natureza,

Desconhecido pela ciência.

Muitos chamam de fatalidade.

O que não é.

Por que para morrer não se computa os nove meses de aviso?

Por que o descontrole?

 

Controle, controle e controle!

Como é bom ter o controle da própria vida!

Como é bom ter o controle das coisas!

A chave do carro, pilotar máquinas,

Estudar, obter sucesso,

Namorar pessoas bonitas e poderosas,

Ter a própria família.

Controlar até para mandar em alguém.

Resta-me então fugir para contemplar o Rio Grande(*),

Sentado sobre este cais.

 

Observo que as águas do rio caem da esquerda para a direita,

Em uma cadência mais rígida do que desfile militar.

Desde que nasci, o curso do Rio Grande sempre foi assim.

O Rio Grande controla o curso de sua água.

 

Mas a inglesa Holly Butcher(**), no leito da morte,

Não pode controlar o curso da própria vida:

“É uma coisa estranha perceber e aceitar a sua mortalidade aos 26 anos de idade.

É apenas uma daquelas coisas que ignoras”

“Não quero ir. Eu amo a minha vida. Estou feliz…

Mas o controle está fora das minhas mãos.”

Assim como o horizonte se vai,

Holly Butcher se foi.

O controle está fora das mãos.

Mas o controle eterno da própria vida

Será possível?

Eu fico em meus devaneios.

 

Eu preciso assumir o controle da própria vida.

Às vezes a própria vida tem o outro lado da moeda!

Doenças surgem para desafiar o controle,

De quem acha que é o dono da própria vida.

 

O próprio Rio Grande sofre ameaça em seu curso,

Se a chuva não cair lá na cabeceira.

Controle e ameaça sempre conviverão juntos.

Já não tenho sessenta e poucos anos,

Nem noventa e poucos anos.

Mas eu preciso assumir o controle da própria vida,

Porque há em tudo um controle.

Bem além do que se possa fazer.

 

A morte é, por natureza, o controle do controle.

Maldição que expulsa a vida da vida.

Segredo ainda não desvendado.

Eu querendo controlar a minha própria vida,

E ela querendo fazer seu próprio controle.

O terrível controle de mortalidade,

Que se junta ao controle da minha família.

 

Volto a tossir.

Eu preciso assumir o controle da própria vida.

Eu preciso assumir o controle…

Eu preciso assumir…

Eu preciso…

Eu…

Assim me tornarei um robô

Dos anos noventa.

 

(*) Rio Grande é um rio que banha a cidade de Barreiras, no oeste da Bahia, estado do nordeste brasileiro.
(**) O poema é homenagem à inglesa Holly Butcher, vítima do câncer em janeiro de 2018.

 

Barreiras, Bahia, Brasil, no dia 19 de janeiro de 2018.

Eu preciso assumir o controle da própria vida. Poema de Bomani Flávio.