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Somos cofre, somos amor.

Disse-lhes, pois, Jesus outra vez:

Para onde eu vou, não podeis vós vir. João 8:21

 

Ninguém nota o cofre.

Lugar escondido aonde eu vou.

Liame tão tênue que ninguém percebe.

Mas, para lá, quase sempre eu vou.

 

Aliás, todo mundo tem um cofre,

Para guardar a dor.

Se não for para guardar a dor,

Resplandecerá intensamente o amor,

Berço do fervor.

 

E nisso está a essência da vida,

Que é o amor.

Mas tudo pode virar um cofre,

Que vai guardar, tão intensamente, a dor.

Chama que no cofre não tem pudor.

 

Pior é que tudo na vida tem intensidade.

Intensidade no amor.

Intensidade na dor.

 

Mas se o amor crescer como incêndio será um santo.

Agora o ódio espalhar-se como fogo será um capetinha,

Que habita na dor.

 

Logo, não se deve demorar no cofre.

Conviver com coisas do dia de ontem,

De todos os anos,

Até mesmo desde que se nasce,

Pode virar uma casa,

Que tem a porta de entrada,

Mas não tem a de saída.

 

Quanto mais demorar no cofre,

Mais a criatura das máscaras.

Tudo por causa da mentira, da raiva.

Talvez do ódio, medo ou rancor.

 

Infelizmente, o cofre fica à venda na beira de estrada,

Para seduzir os olhos de todos os dias.

Mas tudo poderia ser evitado,

Se eu virasse um livro aberto,

Vinte e quatro horas por dia.

Entretanto, tenho nome e sobrenome.

Eis o meu tormento de todos os dias.

 

Brasília, 16 de janeiro de 2019.

Somos cofre e somos amor. Poema de Bomani Flávio.

peixe

Peixes no mar e o pescador.

Como peixes no mar.

Somos como peixes no mar,

Que é belo lugar.

Mas vem o impiedoso pescador,

Joga o anzol,

E somos apanhados do mar.

Apanhados sem piedade.

 

Mas pergunta para o peixe,

Nunca gostaria de sair do mar.

Sai contra a vontade.

 

O desejo é flutuar nas águas,

Sem ameaças do anzol

E de ninguém mais.

 

Tudo porque somos peixes.

Nadamos na água.

Vivemos na água.

 

Ali é a nossa vida.

Nosso passado.

Nosso futuro.

Mas, no fim, de quem é o futuro?

Do implacável pescador.

 

Isso acontece sempre.

Tudo que ornamenta atrai os olhos

Do ambicioso pescador.

 

Não importa o lugar.

Haverá sempre o pescador,

Que vive fora da  água,

Para a presa pescar.

 

Pescador invisível.

Não importa o que fizemos.

Joga o anzol

E nos tira do mar.

 

Com isca ou sem isca,

Somos tirados do mar.

Sem piedade.

 

Simplesmente para virar peixe estraçalhado,

Peixe congelado,

Peixe fresco,

Seja em supermercado,

Açougue ou na feira.

Talvez até de um ninho de uma colina.

Às vezes até de um bicho qualquer.

 

Peixe que vai para a boca.

Que vai para o lixo.

 

Essa é a vida de todo o peixe:

Virar comida do predador. 

Mas o que todo peixe quer é libertar-se.

Viver para sempre sob as águas.

Livre do predador.

 

Mas como matar o predador?

Tirá-lo da terra e

Empurrá-lo para dentro do mar.

 

Assim sentirá na pele a vida de um peixe.

Se não der certo,

Talvez inverter o caminho.

Aprender a andar sobre a terra,

Para matar o predador.

Tão enigmático quanto às origens do universo.

 

Brasília, 30 de dezembro de 2018.

Peixes no mar e o pescador. Poema de Bomani Flávio.

oceano
O oceano.

Há um oceano,

Entre um dia e outro,

Do tamanho do Atlântico,

Que nos impede de voltar

Ao dia anterior.

 

Quanto mais se passam os dias,

Quanto mais cresce sua imensidão.

Não adianta chorar,

Nem lamentar,

Pelo dia anterior.

 

Resta olhar para frente

Como aquele avião que se vai.

Para travessia sem fim.

Ilusão que satisfaz e engana.

 

Mas o dia posterior também é de assustar.

Pelos menos há rios e lagoas.

Talvez menores,

Para avançar.

Se não se pode voltar,

Medo não se pode ter para avançar.

 

Vastidão como esse,

Tão grande assim,

Ninguém esquece.

Nasce com ele,

E morre assim.

 

Talvez algum dia a geografia mude.

Ele de vez apareça.

Sempre virá do dia anterior,

Onde sempre foi seu lugar.

 

Há um oceano,

Entre um dia e outro.

Cresce, porém, dia a dia,

Para assustar você.

 

Oceano indomável.

Embora tão grande,

Quase ninguém vê,

Nem percebe.

 

Quando se nota,

Sobram as rugas.

Terríveis rugas do envelhecer.

Tatuagens de um dia que se foi.

Mistério que ninguém explica.

 

Brasília, DF, em 03 de outubro de 2017.

 Oceano. Poema de Bomani Flávio.