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Que voce possa ser feliz

Que você possa ser feliz.

“O poema foi escrito entre zero até às 2 horas da manhã do dia 4 de janeiro de 2017
na térmica cidade de Caldas Novas, Estado de Goiás, Brasil.”

 

Se felicidade é ser feliz,

Que você possa ser feliz quando completar mais um ano de idade,

Porque a Terra terá completado mais um movimento de translação ao redor do sol.

O cosmo estará dizendo que nem ele é livre, porém tudo realizado com extrema arbitrariedade,

Baseado em regra mais rígida do que a sangrenta norma do império mongol.

 

Não fique chorando pela liberdade perdida.

Não esqueça que o planeta Terra realiza a translação de forma sempre elíptica,

Movimento em que a trajetória nunca será presumida.

Pensar diferente é achar que tudo seja uma inverdade.

 

Que você seja bem feliz porque o universo estará em constante velocidade.

A única corrida que você tem que fazer é não correr com ansiedade.

O movimento que o planeta faz tem sempre extraordinária assiduidade.

 

Tamanha assiduidade terá repercussão na sucessão de anos,

Que influenciará extraordinariamente no seu aniversário.

Pensar diferente é achar que tudo seja uma inverdade.

 

Que você seja bem feliz porque fará parte mais uma vez de um calendário.

Caso contrário seria riscado e não faria mais parte da corrida do anuário.

Situação que você não vai gostar porque a interrupção do movimento gera a morte.

 

É melhor ter sorte nas rígidas regras da natureza do que sofrer um fatal corte.

Que você seja bem feliz, em todo instante, porque estará alinhado com o universo.

Enquanto o universo estiver correndo a mais de cento e oito mil quilômetros por hora,

Estará participando da ditadura de um movimento universal que é incontroverso.

 

No universo tudo parece programado, pois nada é deixado para última hora.

Se o movimento de translação segue regra bem rígida para, de alguma forma, te fazer feliz,

A dor, a tristeza ou a depressão é um outro movimento para te fazer infeliz.

Ambos os movimentos ninguém percebe, mas sente que nem uma atriz.

 

Brasília, DF, em 4 de janeiro de 2017.

Que você possa ser feliz. Poema de Bomani Flávio.

atacama

Os desertos da Chama e do Atacama.

São os desertos da Chama e do Atacama,

Que aparecem às vezes de madrugada?

Se os sonhos têm acordado você de madrugada,

Preste então atenção,

Porque talvez não sejam ilusão.

 

O que não for ilusão para os olhos da carne,

Não o será para os olhos do coração.

Sonhos que vêm,

Sonhos que vão,

Não são simplesmente sonhos.

São ventos de mudança,

Ainda presos entre os olhos da carne e os olhos do coração.

 

E quando envolver deserto,

Mudanças importantes virão.

 

Quando isso acontecer,

Enfrentará o grande deserto da Chama.

Maior de todos os desertos dos céus e da terra.

Deserto que não é o do Atacama.

 

Mas precisa-se passar pelo árido e magistral Atacama,

Deserto mais alto do mundo,

Para chegar ao deserto da Chama.

O grande deserto dos sonhos,

Maior de todos os desertos dos céus e da terra,

Que faz surgir tudo de bom que há na vida.

Este é o deserto que todos temem.

 

O Atacama pode até tremer as pernas e os olhos.

Mas o grande deserto da Chama não tem começo.

Por não ter começo, também não tem fim.

Quem consegue a façanha, mestre dos homens se torna.

Mas para trilhar o grande deserto da Chama,

Comece pela parte mais baixa do Atacama.

Caso comece, termine na parte mais alta.

Não desvie nem para a esquerda,

Nem desvie para a direita.

Siga sempre em frente.

 

Somente realize a façanha se ouvir a voz,

Que é o ponto de partida para a Chama.

Não é a voz do medo, da esquizofrenia.

É a voz das mudanças,

Que querem existir.

 

Mudanças existem,

Apenas estão presas.

Liberte-as e será feliz.

 

Mas a voz da felicidade vem e vai.

Se tiver sonhos que vão e vêm,

Mas não sabe o significado,

Viaje para o deserto do Atacama.

Ponto de partida para outro deserto.

O grande deserto da Chama.

Maior de todos os desertos dos céus e da terra.

 

Andará sozinho,

Sob sol quente.

À noite, tempos frios.

Os dias chegarão,

Mas você avançará.

 

Mas, para não olhar para o norte ou para o sul,

Do deserto do Atacama,

Criou uma regra:

Nunca olhar para trás.

Por que você está aqui?

Quem trouxe você para cá?

O deserto do Atacama é muito grande.

 

Perguntas, muitas perguntas, são combustíveis,

Para obter respostas convincentes.

Quando estiver inquieto na vida,

Corra para o deserto do Atacama.

Ponto de partida para o grande deserto da Chama.

 

Isto ocorre por causa de Elohim,

O guerreiro do deserto da Chama.

De vez em quando Ele procura valentes,

Para o desafio da Chama,

Cujo ponto de partida é o deserto do Atacama.

 

Se Ele incutiu o sonho em você.

Tudo será seu,

Qualquer lugar será seu,

Inclusive o planeta Marte,

Desde que atravesse o deserto da Chama.

 

Deserto que Abraão, o pai de muitos povos, atravessou.

O homem saiu da parentela e da casa dos pais,

Para longa jornada,

A fim de herdar uma terra,

Pois sabia que seria sua e dos seus.

 

Abraão deixou um legado de oportunidade,

Para quem superar a própria vulnerabilidade.

Não tinha GPS, nem bússola.

Apenas um sonho de consumo.

Posteridade como as estrelas do céu,

Contato que andasse quase 2.000 km,

Sob muito sol de perder de vista.

 

Superou todos os obstáculos,

Para chegar ao deserto da Chama.

O grande deserto dos sonhos,

Que está dentro de você.

Mas também pode estar fora, se não acreditar.

 

Brasília, DF, Brasil, 17 de dezembro de 2017.

Os deserto da Chama e o do Atacama. Poema de Bomani Flávio.

síndrome do pânico

Síndrome do pânico.

Doutor, neste consultório de terapia, apenas me ouça.

Desintegrar-me é a sensação etérea que sinto,

No interior do meu ser.

Mas não consinto,

Por isso o descontentamento

Que chega para me abater.

 

Pois, como reagir?

Dizem que é a síndrome do pânico

– É isso mesmo? –

Que explodiu com larvas de todo tipo de terror dentro do meu ser.

 

Taquicardia, falta de ar ou alucinação.

Tudo tão vulcânico.

Sem medida alguma,

Para entender.

 

Luta desigual de todo o dia.

Semblante caído, que não é desídia,

Contra um ser invisível,

Poderoso como o pavor, nada plausível.

 

Estou cansado de tanto me assustar,

Por iminente cheiro de morte a açoitar-me.

Só não sei como, mas devo me afastar do perigo,

Do terror que me faz sentir tão sem abrigo.

Densa floresta em que estou sozinho comigo.

 

Disseram que preciso recuperar o equilíbrio emocional perdido,

Com o rivoltril, o clonazepam ou a paroxetina.

Novos amigos, para quem estar aturdido,

Entre equilíbrio e ambiguidade.

Viver eu quero, mas nada de ansiedade.

 

Do jeito que estou, a síndrome do pânico sempre vai me vencer,

Neste e no próximo amanhecer.

Antes que me sucumba,

Resta-me descobrir o monstro que construí,

Durante vivência em que anuí.

 

De todo o modo, o monstro se escondeu dentro do ser do meu ser,

Que eu, o próprio dono, achava que conhecia.

Alojou-se no cofre mais escondido do mundo,

Sem ao menos eu perceber.

 

Portanto, doutor, preciso desconstruir o monstro,

Não desintegrar-me.

O descontentamento é a esperança que resta,

Para sair desta densa floresta.

Terreno pantanoso,

Para um coração há muito imaginoso.

 

Mas preciso realmente saber quem é o bicho,

Que se impregnou, em meu assustado ser, como carrapicho.

 

Quanto mais aparecer o retrato falado,

Quanto mais eu jogá-lo para fora,

Creio que a ameaça irá embora.

 

O que mais quero, aliás, é vê-lo encurralado,

Para não me sentir,

Com tão pouca vida,

Tão amargurado.

 

No interior do meu ser,

Somente assim poderei ver antiga paisagem.

Como os raios de sol,

Que eu apreciava,

Bem cedinho, no amanhecer.

– Ou então no entardecer -,

De um dia qualquer.

 

Brasília, DF, Brasil, 10 de dezembro de 2017.

Síndrome do pânico. Poema de Flavio di Fiorentina.

portas abertas

Cidade com portas abertas. 

Sonhei esta manhã que todas as cidades do mundo,

De todos os continentes, credos e línguas,

Estavam com as portas abertas.

Ninguém nada entendia,

Porque não dava tempo por tamanha euforia.

 

Nada de alfândega

Para barrar negros, imigrantes latinos, gente mestiça.

Gente de outro planeta.

Gente vindo das cavernas desabitadas da lua.

Trânsito livre, pois, para todos os carros e pessoas.

Navios sem restrições.

 

Havia, enfim, celebração para comemorar o fim do passaporte.

Bem diferente do dia anterior

Em que eu dirigia em uma autoestrada,

Quando deparei-me com uma placa,

Furada ao meio por uma faca.

As setas invertidas me desorientavam.

Da esquerda direcionava para as portas brancas.

Da direita para portas pretas.

Lágrimas saíram de meus olhos.

 

Quantas classificações para processar!

Na estrada,

Seja aonde for,

As leis do trânsito não deveriam levar a lugares difíceis.

 

Acordei assustado.

Não devia haver cidade com portas brancas!

Também não devia haver cidade com portas pretas!

Bastava a denominação cidade com portas.

 

E se houvesse que qualificar as portas,

Que fosse a cidade com as portas abertas.

Cidade com portas receptivas faz bem a si mesma,

Pois a propriedade é uma fantasia de quem a criou.

Só se leva a propriedade quando se morre.

 

Brasília, 3 de dezembro de 2017 às 16:47

‎Cidade com portas abertas. Poema de Bomani Flávio.

manias

A mania.

A mania de ir à janela só agora percebi.

Fui seis vezes hoje espiar paisagens que não gosto, pois, do décimo andar, a visão é sempre de prédios mais altos ao lado e o céu escovado ultimamente por nuvens escuras, que substituíram, bem devagar, o longo tempo de estiagem.

Não vejo prazer em olhar para prédios tão feios, com pintura desgastada pelo tempo. E o que é pior. Agarrados por carrapatos como ar condicionados velhos e barulhentos.

Tudo tão distante e tão próximo ao mesmo tempo!

Mesmo assim, a distância entre a calçada lá embaixo até onde estou, porém,  parece não medir bem a mania que me tomou de uns dias para cá.

A repreensão da chefia, que vejo de relance com a ponta dos olhos no outro lado da sala, realmente não me fez bem; tem-me feito doer à cabeça sem aspirina nenhuma fazer efeito.

O resultado parece óbvio: além da cabeça doer, não consigo transpirar.  Sensação de tontura e vertigem, corpo gelado por fora e quente por dentro. E o que é pior: a mania.

Diagnóstico médico precoce chegou à conclusão de que estou com suspeita de anidrose.

A origem do problema, porém, só pode estar nesta assombrosa paisagem que não gosto.

Não a que vejo além dos vidros da janela suja abundantemente pelo cocô dos pombos. Mas a que cresce assustadoramente atrás das minhas costas.

O cara da esquisita mesa oval de madeira, revestida em cor laranja bem forte, conversando alto no telefone para todos ouvir, errou.  Sim, errou.

Consumo anormal de resma de papel, principalmente para pintar estas paisagens funestas, motivo que aleguei, não é motivo suficiente para mostrar manifestação de autoridade perante os subordinados.

Reunir toda a equipe para repudiar insignificância não parece a proporção adequada para mensurar o caráter de uma autoridade.

— Pois bem, ele não deveria ter mexido com este…

— Este é o quê? Pergunto uma voz masculina muito grave e sombria como que me provocou arrepios e calafrios, bem piores do que os sintomas da anidrose.

— Meu nome.

— Ainda sobre o nome?

A pergunta do estranho me assustou, pois eu não o conhecia e nunca o tinha visto; perguntei quem era, ele respondeu-me que era empregado da firma.

Trabalhava ali desde a inauguração do prédio quando a companhia se mudou para esta merda. Não se enturmava com o grupo porque gostava de absorver o que as pessoas tinham de melhor.

Só assim julgava que se aproximaria.

— O veneno do vice chefe é perigoso – disse-me ele bem sério –, pois destrói a pretensão da afirmação de qualquer um. Ele cheirou ameaças de pessoa mais jovem e bonita como você. Fez o óbvio. Então te empurrou, seu bobo!

Reagi como se tivesse gostado do conselho.

— Por que você me fala justamente agora? Se achou absurda a atitude dele, não acha que os pêsames vieram tarde demais?

— É que também ele jogou meu brio lá embaixo.

A medida em que ele falava, mais curioso ficava. Então me virei, lentamente. O homem era, na verdade, uma pessoa de alta estatura e usava roupa que se parecia com o ambiente onde eu estava. Ele usava roupa cinza.

— Não se assuste comigo, pois gosto de me vestir assim. Chamar a atenção tem seu preço, e é o que não tenho agora.

Ficamos conversando por muito tempo. Quando percebi, só restava eu no escritório. O expediente havia acabado há quase duas horas!

O cara era realmente bom de conversa, pois eu não cansava de ouvi-lo. Lembro-me muito bem da última palavra:

— Eu acho que o espertinho se aproveita da pinta de galã de olhos azuis, como ouço das mulheres aqui, para pisar nos adversários. O escorpião sabe utilizar bem das armas de que dispõe.

Ele viu que você era um adversário de pouco valor, mas um adversário. Pessoas assim merecem ser descartas logo. É o que ele parece pensar.

As revelações do desconhecido me trouxeram mais ódio contra a figura da mesa oval. Por outro lado, minhas pupilas brilharam quando ouvi revelações, semelhantes às que se passavam na minha mente, na boca de alguém.

Duas vítimas não mortas são armas ainda vivas, pensei.

Antes de ir embora, ele me disse que tinha encontrado a revide. Se eu estivesse interessado, eu devia procurá-lo na saída.

Descobri na saída do prédio que o sinistro ser se chamava Sabugo. Nome muito estranho, é verdade, porém bem condizente com a roupa que usava. Mesmo assim, a atitude, os modos de se expressar, a firmeza na voz, tudo nele era de uma objetividade sem igual, inclusive no conselho:

— Não se deve ter pena; assim que aparecer, empurra o todo-poderoso quando ele estiver passando sobre a escada de acesso exclusivo ao escritório dele. Nem ele nem a secretária vão te ver, pois, do lado, tem uma porta de incêndio que leva a outras saídas.

A sua sorte é que há uma outra saída, disse-me batendo nas costas e pegar um táxi, automóvel que parecia também sombrio, de uma cor escura como a noite.

Lembro-me, porém, da sentença anterior proferida por Sabugo:

“Ele jamais vai se recuperar de uma contusão do joelho que sempre reclama. Todos sabem do problema porque o falastrão faz questão de dizer que é craque de futebol.

A próxima novidade que ele contará é que vai trocar as duas pernas por quatro de uma cadeira de rodas. Será um homem inválido cujas mulheres olharão com pena, e não mais com admiração.”

Peguei meu fusca velho, mas o barulho do escapamento do carro não me incomodava tanto quanto a indagar-me: Mas por que tinha que ser eu?

Não encontrei a resposta, de imediato.

No dia seguinte procurei ansiosamente por Sabugo. Remexi todos os recintos da empresa, mas não o encontrei. Também tive medo de perguntar por ele. Não sabia porquê.

Encontrar Sabugo era tão difícil quanto ver a lua cheia nestes dias de céu nublado.

Os dias se passaram. Já tinha desistido quando senti um leve tapa no ombro:

— Olhe amigo, eu já me contentei com o insulto do cara. Quanto a você, porém, a expressão do seu rosto me faz crer que não. Alguma coisa me diz que você ainda morde os lábios. Só esta manhã você foi várias vezes à janela; colocava e tirava as mãos dos bolsos da calça.

Arregalei os olhos.

– Como você sabe? Procurei você por todo o lugar e não tinha te encontrava. Agora você reaparece como do nada. Onde você estava?

Outra vez a objetividade apareceu bem rápida:

— Não me observou porque os seus olhos eram para o desgraçado vice chefe. Isso é certamente uma atitude de quem está com um espinho na garganta. Espinho grande de peixe, não do pé de limão.

É preciso arrancar o espinho para fora, antes que você se sufoque pela boca. Até coisa pior pode acontecer.

Não sei como ele me convencia tão rápido.

— E você não faz nada?

— Bem, além do que já falei, posso ficar expiando a aproximação do vice chefe da escada próxima ao escritório dele.

Pela primeira vez fiquei indeciso com meu amigo. Não sabia se acreditava. Na verdade, tinha momento que eu dispensava essa exigência.

Mas agora bem que seria necessário. O óbvio de novo aconteceu. Ele me de novo a falar sobre si. A expressão com as mãos e a fala firme, por outro lado, me faziam crer que compartilharia de minha vingança.

Cada passo que eu daria, podia ser cada passo que ele estaria dando. Por outro lado, jamais pensei em usar da violência contra alguém. As mãos de uma pessoa são para construir a felicidade, e não dispor do contrário.

Acabou que o meu ódio venceu o medo. Se as pessoas soubessem, não causaria ofensa a ninguém. Aceitei os termos da vingança, desde que o enigmático companheiro não me desamparasse.

O novo dia chegou bem rápido, pois tinha tentado passar a madrugada tentando me arrepender. É melhor se arrepender na fase embrionária do que na fase de parto. Pois, depois, tudo é mais difícil. É na fase de parto que muitos não resistem e se destroem.

Certamente que a juíza de todas as horas perseguirá a mente perturbada como a perseguição dos espermatozoides contra o óvulo. Nem mesmo a leitura do “subtítulo da vingança” de Mateus 5 me fez voltar atrás. Deixei Cristo e o remédio para outra hora.

Se tem uma coisa que não devia haver é arrependimento por desonra. Maltratar uma pessoa na frente de todo mundo, é semelhante ao que a lavandeira faz com a roupa. Lava, lava até ficar limpa. Ele me levou a lavanderia para eu ficar limpo. Eu não precisava da limpeza porque eu não pedi.

Se eu peguei a resma de papel, não tinha porque reclamar. Contudo, sou uma pessoa cujo brio está lá embaixo. Ou continuo indo à janela ou então o safado vai me substitui na horrível paisagem que sempre detestei.

Quando cheguei à firma, por acaso encontrei o vice chefe subindo bem devagar às escadas. O cantor não olhava para trás. Ele segurava a maleta que com certeza devia ter os nomes das mulheres que ele já agarrou ali na empresa.

Realmente era boa-pinta, por isso se exaltava perante os anões, como eu, ou perante os de tamanho semelhante, como Sabugo.

Assim que ele subia as escadas que davam acesso ao seu escritório, olhou para trás, pois eu havia tropeçado. Não se assustou. Ao contrário, não se conteve de rir ao olhar para meus olhos.

O mínimo de misericórdia que eu reservava como pessoa tinha evaporado naquele momento.

A revolta cresceu de maneira tal que avencei sobre o cretino, puxando-o pelo paletó. O vice chefe rolou as escadas. Assustado, me aproximei. A cabeça do desafortunado estava sangrando. Mesmo assim, ele me puxou pelo colarinho.

Ao invés de correr, gritei.

O grito me fez acordar. Chateei-me, pois, era apenas um sonho. Como o sonho faz a gente se frustrar! Mesmo assim, todo o meu pijama estava molhado. Revoltei-me mais ainda quando olhei para o relógio.

Já era mais de oito horas da manhã, e o vice chefe possivelmente já tinha chegado. Eu estava atrasado. O plano daria errado.

Uma mensagem no celular vinda possivelmente do Sabugo dizia para a gente se encontrar no galpão de computadores velhos.

Cheguei e já estava me esperando.

— E aí, você conseguiu sobreviver à noite?

— Nunca estive tão bem quanto hoje. O idiota de pernas tortas vai ter que pagar pelo que fez! A repugnância é um crime hediondo, embora, creio eu, não esteja na lei.

— Finalmente, sinto que as suas palavras proveem de um homem que parou de ir à janela.

Após combinar os detalhes, despedimo-nos sem apertar as mãos.

A manhã toda voltei a praticar a minha nova mania. Desta vez a ida à janela foi bem superior aos das outras vezes. As ideias esquisitas, repentinas, de pular dali para baixo realmente seriam dar munição ao vice chefe.

Como a autoridade ia rir da minha desgraça! Um prêmio conquistado sem muito esforço. Olhando o abismo agora, quem devia cair era o pilantra.

O telefonema do Sabugo interrompeu meus pensamentos. Disse-me que não ligara antes porque o chefe tinha se atrasado, mas que, agora, o insolente já tinha estacionado o seu Audi de quatro canos no estacionamento privativo. Pediu para que eu fosse para o lugar combinado imediatamente.

A palpitação sanguínea palpitava semelhante a batida de um tambor. Não me via usando da violência para obter êxito. A circunstância nova, infelizmente, exigia uma coragem que eu nunca tive.

Usei de todas as precauções para que ninguém me visse. A palpitação sanguínea que subira agora a pouco, tinha desaparecido. Eu estava tranquilo. Será que a frieza dos piores elementos que a polícia lida todos os dias tenha se apoderado de mim? De qualquer forma, eu me sentia outra pessoa.

Ainda encontrei com Sabugo. Ele falou que o hábito do vice chefe era passar pela solitária escada privativa, antes de chegar ao escritório. Eu me escondi detrás da porta de incêndio.

Minutos depois ouço passos e assovios. Era o grandalhão que aparecia invadindo o espaço onde se achava insuperável. Que ódio o ver se agigantando diante de meus olhos cantando! O chato certamente está cantando porque confiava que era sempre um vencedor. Você merece morrer, seu desgraçado!

Pouco tempo depois, não me contive e gritei, assim que o cantor deu as costas para mim. Assustado, desequilibrou-se, rolando escada abaixo. A cena não me amedrontou. Não tive pena do mesquinho chefe.

Mesmo assim, me aproximei. Vi que saia bastante sangue da sua cabeça. O vice chefe estava imóvel. Repentinamente a a aparência assumiu a feição de um morto, pois nem mesmo a respiração se ouvia.

Agi com naturalidade ao sair da cena do crime. Com tanta naturalidade que, curiosamente, não tive saudade do Sabugo.

Os dias se passaram e não tive a coragem de procurá-lo. Pelo contrário, não queria me encontrar com ele. E se ele me denunciasse à polícia?

Para minha surpresa, o fim do poderoso foi aceito com muito convencimento pela polícia. O atlético vice chefe escorregara nas escadas, e a batida da cabeça no último degrau foi o responsável pela sua morte. A fatalidade ocorre no trabalho.

A euforia foi tanta que procurei Sabugo para compartilhar da vitória. Um colega me disse que não trabalhava ninguém com esse nome na firma. Dei todas as descrições possíveis, inclusive a de que ele tinha mais de um metro e noventa de altura e usava uma roupa camuflada conforme a cor do ambiente.

A resposta, entretanto, era sempre a mesma. Meus olhos não podem ter se enganado. Por muito tempo fiquei lembrando das conversas com Sabugo. O único consenso que que é conversei com ele. Para mim nada era mais cristalino do que a razão.

Ocorre-me, contudo, o pensamento que temo: talvez Sabugo tivesse ido embora após ter me usado. A vontade era matar o vice chefe.

Por outro lado, pode ter ocorrido outra hipótese. A velha e conhecida paisagem que vejo daqui de cima. Pensando bem, a paisagem é bem mais feia do que eu imaginava. Parece que se contorce e ganha vida em meus pequenos olhos.

As cores cinzentas e uniformes, o cheiro fedido do cocô dos pombos, o barulhento ar condicionado, tudo parecia, inexplicavelmente, apontar para meu obscuro amigo Sabugo.

Voltei mais tarde para espiar o ambiente. Aquelas paisagens tinham alguma coisa que eu ainda não tinha captado como agora. Parece que vi Sabugo saindo de todos os buracos que se possam ver em um sabugo de milho.

 

Brasília, DF, em 3 de dezembro de 2017.

‎A mania. Narrativa de Bomani Flávio

homem romantico

Homem romântico.

Surgiu um homem romântico,

Imprevisível como você sempre quis.

Mas como a pedra foi quebrada no chão,

Para me declarar para você?

 

O acaso foi o segredo.

Simplesmente a pedra despedaçou-se no chão.

Nada de ganhar na loteria,

Nem impressionar a pessoa que gosta com o carro mais caro.

Nem mesmo com roupas elegantes.

 

A mulher só precisa de um homem atencioso,

Para abraçá-la com seu cheiro.

Ouvi-la e chorar o coração em seu peito de macho.

Por que eu não conseguia ser um homem atencioso?

Não custava caro,

Nem de faculdade para tanto.

 

Embora seja barato ser um homem cuidadoso,

Acho que esse adjetivo tinha ido embora,

Dentro do papel no roupão que deixei na estação do metrô.

 

Por que eu não conseguia ser um homem ouvinte?

Não custava caro,

Nem de faculdade para tanto.

O acaso veio com “When You Say Bothing At All’.

Meu coração de homem carinhoso aflorou,

Para a mulher que no retrato ficou.

Por que não conseguia ser um homem romântico?

Não custava caro,

Nem de faculdade para tanto.

 

Se no “When You Say Nothing at All” me despertou,

É que havia um homem romântico,

Pronto para explodir de amor.

Por que eu não conseguia ser um homem romântico?

Não custava caro,

Nem de faculdade para tanto.

 

Só você me faz um homem romântico,

Despertar o homem da caverna que não sou.

Surgiu um homem cuidadoso,

Em um imprevisível dia sábado de dezembro qualquer.

 

Mas como a pedra foi quebrada,

Para me declarar para você?

O acaso foi o segredo.

Simplesmente a pedra despedaçou-se no chão.

 

Brasília, 2 de dezembro de 2017 às 21:39

Homem romântico.‎ Poema de Bomani Flávio.

galinha

Minha galinha chocadeira.

Eu me preocupando com minha galinha chocadeira.

Muita gente se preocupando com bombas.

Arsenal de todo o tipo.

Bomba H, Suja ou Bomba A,

Em algum quintal fora do planeta.

Por que em outro planeta,

Se são bombas, meu Deus?

 

O universo é um grão,

Com tantos cidadãos,

No meio do nada.

São tantos bilhões de planetas,

Que fascinam os olhos,

Mas cansam a vista!

 

Embora não tenham boca ou pernas,

Mísseis são animais,

Com programação ofensiva.

Animais que destroem a mente

E só depois, bem depois,

Aniquilam o que está aparente.

Isto é, pernas, corpos,

Cidades e tudo o que se ver,

De forma bem ardente.

 

Porém tem pouca gente se importando com galinha.

No quintal de minha casa tem uma.

Salpicada pelo branco e preto.

 

Penso nela o dia todo.

Ao invés de destruir,

A ave constrói ovos todos os dias,

Para a terra encher.

 

Nestes dias lindos de viver,

A ave escolheu um grande vaso sem planta,

Encalhado na garagem,

Ao invés do galinheiro.

 

Embora tenha esquecido das outras três,

Que ciscam no quintal,

Quer ficar o tempo todo dentro do novo lar.

Sei que é por grande motivo.

Assim não devo me preocupar.

 

A galinha chocadeira chocou meus olhos com sua produção.

Chocou também a pequena vizinhança,

Para quem alegue inverosimilhança.

 

Não conversamos,

Mas nossos olhares se encontram.

Ela, do modo dela

E eu, do meu modo.

 

A galinha chocadeira põe ovos todos os dias.

Não sai do novo lar,

Que cuida com muito carinho,

Já que ali quer ficar.

 

São os explosivos lá

E os ovos chocando aqui.

Muita gente testando seus mísseis,

Armas que talvez não cheguem aqui.

 

Prefiro cuidar da galinha chocadeira,

Na esperança de que um dia

Os mísseis não sejam monstros,

Apenas pintinhos,

Iguais aos que acabam de nascer.

 

Brasília, 29 de outubro de 2017 as 10:30

A galinha chocadeira. Poema de Bomani Flávio.

quem sou eu

Quem sou eu?

Quem sou eu?

Além da certidão de nascimento,

E de outros registros oficiais,

Eu ainda não sei quem sou,

Quem eu seja,

Nem quem em breve serei.

 

Com meus trinta anos de idade,

Talvez mais, talvez menos,

Somente agora me convenci quem eu sou.

Não sou exclusivamente uma certidão de nascimento,

Nem exclusivamente outro documento público.

Muito mais o rosto que vejo no espelho.

 

Sou também as fotografias,

Que tiram, às vezes, contra minha vontade,

Em cliques imprevisíveis,

Que mostram, em lapso de segundo, como sou.

 

Mesmo assim, eu ainda não sei quem sou.

Porém, ao acordar hoje de manhã,

Percebi que posso ser o registro particular,

Tais como o bilhete,

O relato no diário.

Meus relatos nas redes sociais.

 

Às vezes muito mais difícil de lidar

E que, por algum motivo,

Pode levar a criar mais um registro,

Entre tantos que já tenho.

Não sei se será fardo ou sujeição,

Porque, quando sou eu, às vezes me assusto,

Os outros se apavoram

E muitos choram.

 

Retraio-me como um caramujo quando não bem-vindo.

Preciso, na verdade, aprender com os fatos e atitudes

Que levam a algum tipo de inteligência,

Entre tantas disponíveis.

Como a emocional, a artificial.

Dizem até que há a competitiva ou a múltipla.

 

Preciso ser, na verdade, eu mesmo.

Bem próximo ao que a divindade disse a Moisés,

Nas distantes campinas do deserto:

“E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU.”

A divindade sabia quem era.

Disso não duvidava.

 

Preciso ser.

Mas, no momento, deparo-me com três pinturas invisíveis,

À minha frente:

Quem eu sou,

Quem eu seja

E quem eu serei.

Somente sei que os registros oficiais são oficiais.

Quem eu seja,

E quem eu serei,

Estarão nos registros particulares,

Que podem criar outro registro oficial.

 

Eis a felicidade ou a minha tristeza.

Certo é que eu ainda não sei quem sou.

Porém, pensando bem,

Sou, na verdade, um registro,

Pendente de juízo crítico.

Quer dizer, uma inteligência desconhecida,

Perdida em um País distante no mundo,

Perdida em uma bela capital distante no mundo.

 

Brasília, DF, em 11 de outubro de 2017.

Quem sou eu? Poema de Bomani Flávio