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homem romantico

Homem romântico.

Surgiu um homem romântico,

Imprevisível como você sempre quis.

Mas como a pedra foi quebrada no chão,

Para me declarar para você?

 

O acaso foi o segredo.

Simplesmente a pedra despedaçou-se no chão.

Nada de ganhar na loteria,

Nem impressionar a pessoa que gosta com o carro mais caro.

Nem mesmo com roupas elegantes.

 

A mulher só precisa de um homem atencioso,

Para abraçá-la com seu cheiro.

Ouvi-la e chorar o coração em seu peito de macho.

Por que eu não conseguia ser um homem atencioso?

Não custava caro,

Nem de faculdade para tanto.

 

Embora seja barato ser um homem cuidadoso,

Acho que esse adjetivo tinha ido embora,

Dentro do papel no roupão que deixei na estação do metrô.

 

Por que eu não conseguia ser um homem ouvinte?

Não custava caro,

Nem de faculdade para tanto.

O acaso veio com “When You Say Bothing At All’.

Meu coração de homem carinhoso aflorou,

Para a mulher que no retrato ficou.

Por que não conseguia ser um homem romântico?

Não custava caro,

Nem de faculdade para tanto.

 

Se no “When You Say Nothing at All” me despertou,

É que havia um homem romântico,

Pronto para explodir de amor.

Por que eu não conseguia ser um homem romântico?

Não custava caro,

Nem de faculdade para tanto.

 

Só você me faz um homem romântico,

Despertar o homem da caverna que não sou.

Surgiu um homem cuidadoso,

Em um imprevisível dia sábado de dezembro qualquer.

 

Mas como a pedra foi quebrada,

Para me declarar para você?

O acaso foi o segredo.

Simplesmente a pedra despedaçou-se no chão.

 

Brasília, 2 de dezembro de 2017 às 21:39

Homem romântico.‎ Poema de Bomani Flávio.

caipirinha

A caipirinha.

Se tivesse desistido da brincadeira de tomar o primeiro gole de caipirinha em uma festa com amigos, não teria gasto a manhã toda de hoje dentro do quarto escuro.

E o que é pior, deitado incansavelmente com os pés para cima. Como se  tivesse sido deixado violentamente naquela postura sem vontade própria.

Saciar a curiosidade serviu apenas para se prender na teia de rede quando jogada no rio.

Mas nunca foi de beber bebida alcoólica. Muito menos caipirinha. Jamais, na verdade, foi a um bar.

Tomar um pequeno copo de bebida alcoólica não achou problema nenhum. Cada pessoa vive, a cada dia, para apreciar ou desvendar os segredos, e muito mais as maravilhas, que há por trás do paladar.

Ninguém vive para reprimir o que a própria natureza sabiamente deu a cada um. Bebeu semana passada e anteontem fez a mesma coisa.

Acontece, porém, que se surpreendeu com o sabor da bebida. A caipirinha  é muito mais gostosa do que arroz e feijão. Muito mais do que qualquer peixe assado ou cozido que tanto aprecia.

O segundo copo que tomou ontem somente comprovou que seu organismo gostou. Miserável paladar que não devia provar!

Desde então não consegue se concentrar ou pensar em outra coisa senão na nova descoberta.

A experiência foi fascinante, mas o que sente na boca é igualmente pior. Se acha um peixe fisgado por um pescador.

Parece que ainda não foi puxado da água porque tem resistido igual a um peixe grande.

Mas as forças estão minando. O pescador parece muito mais forte do que ele; hábil no uso da isca e sente que está em todo o lugar.

A presença dele que se sente pela linha do anzol torna-se cada vez mais forte. Impossível de resistir.

Relutou e relutou. Desde ontem, entretanto, o que mais tem feito é evitar o terceiro e tantos goles que saboreia nos sonhos intermináveis.

Chorou, rezou, ajudou a mãe a limpar a casa, coisa que habitualmente não fazia.

Resistiu o quanto pôde, mas a força do pescador cresceu igual a incêndio na floresta nos últimos dias.

Sem alternativa, finalmente se convenceu a tomar outro copo da bebida. A média de um copo por dia com certeza não faz mal a ninguém. Precisava tomar para se acalmar. Jovem é jovem.

Por que resistiu tanto? Ah, a caipirinha é muito gostosa! Quem inventou a bebida poderia ter ganho um prêmio por ter feito bem a alguém.
Voltou ao bar com os amigos.

Desta vez, a placa de proibição para menor de idade na entrada do boteco não foi empecilho. Não era menor de idade, mas a aparência quase sempre incutia no segurança do estabelecimento entendimento diverso.

Como das outras vezes, o dono atendeu com cortesia. É certo que o pedido saiu tremido pois o coração batia mais descompassado do que de uma pessoa com arritmia cardíaca.

Quando o elegante barriga de navio, que vestia um terno escuro, trouxe o pecado e pôs na mesa, começou a sentir uma espécie de tremedeira.

O que há por trás do reluzente copo de vidro com cachaça, limão-Taiti não descascado, açúcar e gelo?

A contemplação chamou a atenção do dono do estabelecimento que fez cara de quem não se importava.

Parecia ver beleza no copo transparente com cascas de limão à mostra que via diante de seus olhos.

Mesmo tendo superado toda a vergonha e fraqueza para chegar ao local onde nunca deveria ter ido, sentia o coração bater como se fosse a primeira vez para consumir o produto.

Tinha motivo, porém, para o coração bater cada vez mais forte. Sentia como se fosse pescado por um anzol na boca.

Outra vez o anzol puxou mais forte. Coitado dos peixes nas águas, o anzol machuca demais!

A última puxada fez com que entendesse que havia um pescador, um algoz que se revelava cada vez que aproximava sua boca do transparente copo com caipirinha.

Ao contrário das outras vezes, sentiu vontade de beber a caipirinha bem devagar. No primeiro trago, fechou os olhos e deu suspiro de alguém muito sedento.

Saciou-se como um bebê que não via o peito suculento da mãe por muito tempo. Bebe bastante até se fartar.

Embora os familiares e os amigos não notassem mudança nenhuma visível, sentia-se, de alguma forma, encurralado. Tão encurralado como um peixe por um hábil pescador.

A atração pela nova namorada, ao que tudo indica, parecia sem volta. Não queria apenas uma, nem duas, mas tomar vários copos da bebida.

Sonhos frequentes têm sido uma luta. Via-se caído nas ruas, saindo embriagado do bar. Colocou na cabeça que havia um pescador atraindo-o loucamente para o anzol.

Estranhamente começou a ver beleza em um sujo bar perto de sua casa. Lugar que sempre falava que a vigilância sanitária tinha esquecido.
Preferiu conhecer as instalações à noite, escondido dos parentes e amigos.

Ao entrar no apertado recinto, que tinha uma velha sinuca no centro e homens maltratados jogando com cigarro na boca, sentiu uma enorme atração.

Na verdade, sentiu o cheiro de cuspe fresco que invadia o lugar insalubre pelos tocos de cigarros no chão e cuspe para todos os lados. As narinas detectaram novidade.

Como é gostoso estar em um lugar que proporcionam prazer para as narinas! Um lugar onde possa se sentir bem!

Sentou-se em uma cadeira no canto e, pela primeira vez, sentiu-se um arrepio que nunca tinha sentido antes. Queria ir além do copo, pois é além do copo que aparecerá o rosto do pescador.

Pediu o primeiro copo de caipirinha. A mulher entendeu bem as palavras ditas palavras por palavra. Ditas com autoridade.

A princípio, amedrontou-se, mas, ao contrário das outras vezes, não teria forças para fugir. Sabia que embriagar fosse a única maneira de conhecer o pescador que estava por trás do copo de caipirinha.

Quando o copo chegou, a admiração aumentou pela caipirinha. O copo estava tão reluzente quanto das outras vezes. A dona ficava de longe olhando o ritual do novo freguês, que abria e fechava os olhos.

De vez em quando fazia menção de que ia levar o copo na boca. Relutava o quanto pôde.

Mas havia decidido que queria conhecer o pescador.

Uma estranha voz, contudo, quebrou o silêncio. Dizia que no inferno não havia chamas, mas que no céu havia fogo do inferno.
Ao virar-se viu para ver quem tinha falado, viu homem bêbado, que tinha acabado de entrar no recinto, indo conversar com a dona do bar.

Após o bêbado se acalmar, sentado no chão, aproximou-se. O homem podia muito bem ter visto o rosto do pescador.

— Sim, vi o rosto do pescador – disse-lhe o bêbado, que parecia surpreendentemente sóbrio para alguém que tagarelava demais.
Tomou outro gole de cachaça e depois prosseguiu:

— O diabo do mundo é a nossa língua. Ela faz da gente o que quer, meu jovem. Animal tão complexo quanto os olhos. São os olhos fora e a língua dentro. Se deixar te domar, serás presa para o pescador.

Outra vez recorreu a outro gole da cachaça e continuou:

— Certo mesmo é que não devia haver lei contra a saciação. Não devia haver pescador. O que é a pessoa a não ser da gula e do corpo? Deixar de beber é ir contra os olhos e contra o paladar; é ir contra si mesmo.

Perder, não sabe se perdeu. Talvez seja bom ser derrotado porque se conhece o pescador.

 

Brasília, 25 de novembro de 2017 às 21:42.

Texto originalmente publicado
pelo Autor em 26/08/2003
no portal Usina de Letras.

A caipirinha. Narrativa do poeta Bomani Flávio.

consciência negra

Consciência negra – Dia da Consciência.

A consciência negra da minha mente,

Herança invisível,

Que resistiu, com bravura,

A chibatadas e grilhões,

Contra os pais dos pais dos meus pais,

Não sei porquê, me trouxe a Salvador.

 

Cidade bonita, beleza incomparável,

Ainda assim, por que me assustar?

 

Mas avisto o porto de Salvador,

Do mirante do Lacerda.

Daqui, onde estou, decerto, não vou pular.

Só muito sol para o neurônio queimar.

 

A consciência negra da minha mente,

Não sei porquê, agitada está,

Por premonição,

Para cumprir o que se cumpriu.

 

Assume o porte de Transatlântico,

Beleza de inigualável engenharia,

Que de repente grita

Com seu apito, som da alegria.

 

Som sedutor, porém, que não existiu, com certeza,

Em outro Transatlântico,

De intransigente dureza.

 

Melhor dizer navio negreiro,

Clandestino cargueiro

De propagado comércio ilegal

De pessoas.

 

Embarcação com extrema insalubridade,

Que aqui, infelizmente, aportou,

Ao trazer povo para várias finalidades,

De etnias tão próximas,

Para minar-lhe o valor.

 

Se as imagens dos atuais refugiados assustam,

Por causa de tantos cliques das fotografias,

Muito mais assustaria ver crianças magras,

Algumas ainda nas tetas das mães,

Em terras que ainda são o Brasil.

 

Como dizia angustiada testemunha,

O senhor Castro Alves, dos escravos, o poeta.

Pais cujo ganha-pão seria o trabalho forçado,

Juventude e infância gastas em severas lavouras,

Sem nenhum fator de proteção solar,

Muito menos repelente contra mosquitos.

 

O Transatlântico vai aportando,

Muito próximo do lugar agonizante

Que outrora testemunhou,

Debaixo de tanto sol,

Sofrimento com tanta gente.

 

Lugar esquecido,

Sem qualquer placa de aviso,

Para os cliques dos namorados.

 

Sobrou para relatar a vergonha ocorrida.

O que sabiamente Zumbi e outros fizeram,

Sumir para Palmares,

Superando, com pânico,

Isso foi certo,

Impossíveis travessias de mares e oceanos.

 

Apenas para proteger-se da consciência branca,

Que sequer tinha consciência negra na cabeça branca.

 

A consciência negra da minha mente,

Não sei porquê, me trouxe a este lugar.

 

De tanto, porém, andar nos arredores do Lacerda,

Encontrei, entre escombros,

Placa enferrujada em lixo esquecido,

Perto de tricentenárias igrejas,

Com inscrição quase apagada pelo tempo:

“perdoar sim, todavia,

Jamais esquecer

O que aqui se fez,

Com tanta gente.”

 

Resta-me voltar ao Lacerda,

Reaver, mesmo que de longe,

Luxuoso Transatlântico ancorado.

Decerto servido com vinho nobre e

Extrema salubridade a desfrutar.

Talvez no mesmo lugar,

Onde houve tanto choro a lamentar.

 

Brasília, 20 de novembro de 2017 às 00:49

A consciência negra. Poema de Bomani Flávio.

São Paulo

São Paulo: liberdade ou amizade improvável?

Sequer liberdade tenho nesta enorme e pujante cidade,

Com densas casas verticais,

Que se multiplicam rapidamente na extensa paisagem.

Às vezes meus olhos cansados só percebem a mudança,

Nesta São Paulo que amo,

Quando estou em um mirante de tremer as pernas.

 

Exuberante savana.

Isso que é.

Cheia de animais.

 

Bichos, porém, com aparência de ovelha,

Em pele com chapa de aço.

Três, quatro e tantos cilindros.

Há pouco precisava-se apenas de dois.

Haja barulho contra os sensíveis tímpanos,

Feitos de carne!

 

Baita cidade-planeta!

Gente conectada ao celular.

Ouvidos quase sempre ocupados.

Sabe-se lá com o quê!

 

Paredes invisíveis,

Porém possíveis de se ver,

Em abrir e fechar de olhos.

Basta olhar em cada esquina,

Em cada rosto que não se ver.

 

Alfa, gama ou beta.

Não importa como classificam esta superestrutura,

Mas foi a vila que escolhi para morar.

 

Até que tento sair à rua,

Uma, duas, três.

Quantas vezes for possível,

Após mais um dia de trabalho ao lar voltar.

 

Mesmo assim, ponho o pé várias vezes na rua,

Mas vejo onças e leões,

Em cada rosto e

Em cada olhar.

 

Zoológico invisível diante de meus olhos,

Com sutil toque que me faz retrair.

A estranha vizinhança impõe restrição,

Que nenhum animal de estimação se ponha a cuidar.

Meu Deus! Estou perdido nesta enorme gaiola!

Cheia de carros, barulho e gente apressada!

Mas foi a vila que escolhi para morar.

Se é para levantar e andar,

Vejo a bicicleta quebrada,

Que não sei consertar

E muito menos pedalar.

Só pode ser amizade improvável,

De uma liberdade a desafiar.

Apenas tenho que recomeçar.

 

Nem sei consertar bicicleta,

Muito menos carro tenho para levá-la,

Nesta mesma cidade-planeta,

Que GPS precisa para andar.

Mas está aí a superação,

De um novo reinício a superar.

 

Vai rapaz, que sou eu,

Arrume você mesmo.

Ajuda do Google você tem,

Para bicicleta consertar.

Se não souber, aprenda.

Amizade improvável também é da vida.

 

Com o vento na cara,

Finalmente vou me soltar.

Vencerei onças e leões,

Talvez anacondas,

Que ao zoológico vão retornar.

Bem certo é que não vou deixar os animais me assustarem,

Se sou um animal que também pode amedrontar.

Não se pode abandonar cidades-planetas.

São Paulo foi a vila que escolhi para morar.

 

 

Brasília, 27 de novembro de 2017 às 06:14
São Paulo: liberdade ou amizade improvável. Poema de Bomani Flávio.

Testamento da minha vida.

Breve testamento da minha vida será lavrado quando eu nascer.

Não quando envelhecer.

Item inicial será a chupeta, meu terceiro peito.

Disporei de todas as fraldas descartáveis,

Inclusive as reaproveitadas pela escassez de dinheiro.

 

Os bodies, que forem se perdendo,

Leiloados serão entre os que esqueceram da minha chegada.

 

Há cartório de registro para isso.

O tabelionato da justiça precoce.

 

Breve testamento da minha vida será lavrado quando ao útero eu voltar.

Não quando nascer.

As despesas com o pré-natal certamente rateadas,

Mas jamais esquecidas,

Entre aqueles que pouco caso fizeram da barriga crescente da minha mãe.

 

Há cartório de registro para isso,

O tabelionato da justiça precoce.

 

Breve testamento da minha vida será lavrado quando não mais eu tiver juízo,

Tijolo ingrato e infiel.

Herança das imprevistas relações do gênesis.

 

Há cartório de registro para isso,

O tabelionato da justiça precoce.

 

Declaração de vontade, já nascido, jamais eu daria.

Minha mãe não saberia,

Porque estaria esperando meu irmão,

Com nova barriga,

Que cresce a cada dia.

 

Depois de todo o esforço em vida,

Compensaria voltar ao útero materno,

Para avaliar os olhos dos descontentes.

Não poderia haver o fim.

Mas sempre voltar-se para o início.

 

Mas não há cartório de registro para isso.

O tabelionato da justiça tardia.

 

Brasília, 6 de novembro de 2017.

‎Testamento da minha vida. Poema de Bomani Flávio.

morte natural

Morte natural.

Quando morreres, por morte natural,

Tenha um leão para abraçar.

De qualquer raça, credo ou nacionalidade.

Abraça tu para sentir o cheiro do cauteloso quadrúpede.

Recline tua cabeça em qualquer lugar do pelo animal.

 

Quando morreres, por doença,

Tenha o felino da selva para abraçar.

Capaz dele não chorar,

Nem fazer escândalo para te acalmar.

 

Se preferires,

Conte tua vida para o animal.

Nos mínimos detalhes,

Como se o bicho fosse o único ser vivo que pode te ajudar.

 

Prefiras um assento para vislumbrar paisagem exuberante,

Enquanto contarás relato absurdo da longa ou breve vida.

Não esconda nada do bicho,

Porque terás tempo para narrar.

 

Mas se não morrer, por morte natural,

Tudo poderá ser em vão.

Terá apenas palavras amigas no funeral.

Talvez alguns cânticos.

Quando todo mundo for embora,

A solidão do cemitério.

 

Brasília, 29 de outubro de 2017 às 20:33

Morte natural. Poema de Bomani Flávio.

galinha

Minha galinha chocadeira.

Eu me preocupando com minha galinha chocadeira.

Muita gente se preocupando com bombas.

Arsenal de todo o tipo.

Bomba H, Suja ou Bomba A,

Em algum quintal fora do planeta.

Por que em outro planeta,

Se são bombas, meu Deus?

 

O universo é um grão,

Com tantos cidadãos,

No meio do nada.

São tantos bilhões de planetas,

Que fascinam os olhos,

Mas cansam a vista!

 

Embora não tenham boca ou pernas,

Mísseis são animais,

Com programação ofensiva.

Animais que destroem a mente

E só depois, bem depois,

Aniquilam o que está aparente.

Isto é, pernas, corpos,

Cidades e tudo o que se ver,

De forma bem ardente.

 

Porém tem pouca gente se importando com galinha.

No quintal de minha casa tem uma.

Salpicada pelo branco e preto.

 

Penso nela o dia todo.

Ao invés de destruir,

A ave constrói ovos todos os dias,

Para a terra encher.

 

Nestes dias lindos de viver,

A ave escolheu um grande vaso sem planta,

Encalhado na garagem,

Ao invés do galinheiro.

 

Embora tenha esquecido das outras três,

Que ciscam no quintal,

Quer ficar o tempo todo dentro do novo lar.

Sei que é por grande motivo.

Assim não devo me preocupar.

 

A galinha chocadeira chocou meus olhos com sua produção.

Chocou também a pequena vizinhança,

Para quem alegue inverosimilhança.

 

Não conversamos,

Mas nossos olhares se encontram.

Ela, do modo dela

E eu, do meu modo.

 

A galinha chocadeira põe ovos todos os dias.

Não sai do novo lar,

Que cuida com muito carinho,

Já que ali quer ficar.

 

São os explosivos lá

E os ovos chocando aqui.

Muita gente testando seus mísseis,

Armas que talvez não cheguem aqui.

 

Prefiro cuidar da galinha chocadeira,

Na esperança de que um dia

Os mísseis não sejam monstros,

Apenas pintinhos,

Iguais aos que acabam de nascer.

 

Brasília, 29 de outubro de 2017 as 10:30

A galinha chocadeira. Poema de Bomani Flávio.

perfume

Perfume que brota do chão.

É meia noite. Tempestade de primavera se aproxima.
Os pássaros em risco de extinção querem voar, e eu quero dormir.
Brasília, 16 de outubro de 2012.”

 

Há um perfume,

Que brota do chão,

Que faz milagre

E revigora as narinas

De quem cheira.

 

O verdadeiro perfume,

No cotidiano imprevisível,

Que se abre como uma cortina todos os dias,

Como toda essência pura que sai da terra bruta,

Pede licença para envolver você.

 

O bálsamo que brota do chão junta a comunidade na praça.

Acalma os pés nos transportes e não os entorta.

Afasta o olhar desconfiado,

De quem quer que seja.

Também não causa torcicolo no frágil pescoço.

 

Mas a fragrância feita por mãos estranhas pouco gente aprecia.

É veneno que faz mal à comunidade e às praças.

Coisa de bandoleiro que destrói o corpo.

Sarna que coçará a alma.

 

O cheiro, que brota do chão,

Vem das raízes da terra,

E conquista a pessoa ao lado.

 

A essência feita por mãos estranhas,

Ainda que venha do chão e faça raízes,

Machuca as mãos e dilacera o corpo.

Pode até mudar o comportamento de alguém,

Mas sem a sutileza do verdadeiro perfume.

 

Bálsamo que é a fragrância que brota do chão cumprirá seu natural papel.

Mesmo que, por descuido, caia em mãos estranhas,

O cheiro do verdadeiro odor, porém,

Dificilmente manipulará as narinas de quem cheira.

Muitos menos deixará em dúvida

Os olhos daqueles que apreciam.

 

Brasília, 12 de outubro de 2017 às 06:45

Texto publicado orignalmente em 21 de outubro de 2012.

Perfume que brota do chão. Poema de Bomani Flávio.