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poema sobre boca

Há um zíper que fecha minha boca.

Há um zíper que fecha a minha boca.

Zíper que acarreta um tremendo cala-boca.

Não importa o limão.

Por que não consigo abrir minha boca

Para falar sobre mim?

Porque há um zíper que fecha a minha boca.

Estranho horizonte assombrando meu rosto,

Que não é de desgosto.

 

Zíper que revela um conselheiro,

Tremendo filho da puta!

Pois às vezes me transforma em herói,

Outras vezes me ajuda a conseguir façanhas incríveis.

 

Mas, em muitos momentos, é horrível comigo.

Suja meu nome na praça do João ninguém.

Leva-me a fazer coisas impensáveis,

Como se eu não precisasse de ninguém.

 

Faz-me pensar que a hora da morte chegou.

Assim com aviso prévio

E todo o pacote para assustar.

 

Intimidade assombrosa

Que às vezes me deixa velho,

Já que a cara jovem não tem nada de calma.

Pentelho cruel,

Cujo último ataque fechou minha boca.

Deixou minha cara com feição de cala a boca.

Emparedamento que me leva a ficar mais em casa do que na rua.

 

Intermináveis dias com a boca fechada.

Mesmo assim, resta-me apenas a indagar-me.

Por que não consigo abrir minha boca para falar sobre mim.

Estou para explodir de tensão.

Vulcão acordado que brinca em me aterrorizar.

Luta que parece durar vinte e quatro horas.

 

Emocional instável que pode virar tudo,

Exceto um ser com coesão.

Por que não consigo abrir minha boca para falar sobre mim?

Na ponta da língua, encontro respostas.

 

Há um zíper que fecha minha boca.

Há um zíper que me impede de falar.

Maldito zíper que chegou sem avisar.

Instalou-se durante meu sono irregular.

Tornei-me retraído e encurralado.

Tenho boca, mas não posso falar.

 

Mas permite que eu abra a boca para tantas coisas.

Para comer ou escovar os dentes.

Passar o batom ou beijar.

Falar sobre política ou roer as unhas.

 

Menino sorriso vai perdendo espaço para o menino sombrio.

Mas, mesmo assim, ecoa uma voz a pedir.

Por que não consigo abrir minha boca para pedir socorro?

 

Bem que tento usar as mãos para remover a peça,

Que muda estranhamente de cor.

Como agora que está prateada.

Costurou minha boca sem eu perceber.

 

Maldito zíper que chegou sem avisar.

Tudo por causa do ontem da semana passada,

Evento que criou o funesto zíper.

Peça de calça ou bermuda se desprendeu,

Não se de qual roupa,

Se da minha ou de alguém,

Para se fixar na minha boca.

 

Boca fechada faz mal à saúde.

Espeta o ser e destrói o corpo.

Faz bem confessar.

Abrir-se para os medos assustar.

 

Há um zíper que fecha minha boca.

Há um zíper que me impede de falar.

No desespero, ao pedir por socorro,

Alguém veio me ajudar.

Alguém que entende de linguagem,

Surpreende linguagem de sinais,

Conseguiu o zíper arrancar.

 

O estranho horizonte dissipou-se,

E eu fiquei para falar.

Quanto mais eu me abrir,

Mais o zíper distante vai ficar.

 

Brasília, DF, 17 de março de 2018.

Zíper que fecha minha boca. Poema de ‎Bomani Flávio.

controle

Eu preciso assumir o controle da própria vida.

De braços abertos para mim mesmo,

Olho para o horizonte amarelado,

Que se vai.

Como um galo acanhado no amanhecer,

Anuncio meu quase rouco canto coro-cocó.

Eu preciso assumir o controle da minha vida.

Eu preciso assumir o controle.

 

Pois outro janeiro chegou.

E chegou também o eterno dogma da família,

Que me assusta como uma tempestade que nunca vai embora.

Virou uma tosse.

Quase uma tosse alérgica,

Que me tem levado, às vezes, à confusão mental.

 

Eu preciso assumir o controle da própria vida.

Eu preciso assumir o controle…

Porém, diferente de uma criança que vejo soltando pipa em minha frente,

Já não tenho dez anos de idade,

Nem vinte e poucos anos,

Nem trinta e poucos anos.

 

Mas, às vezes, ouço que eu preciso assumir o controle da própria vida,

Da tão incerta vida,

Como se, se não tiver o controle,

Tudo perecerá.

Dias atrás ouvi inflamado discurso no início das férias de verão.

Ontem o tema dominou o café quase que a manhã toda.

Hoje, porém, me perco nesse devaneio.

 

Eu preciso assumir o controle da própria vida,

Para, quem sabe, descobrir onde está minha identidade oficial,

Se é que preciso do documento.

Eu preciso assumir o controle da própria vida,

Para melhorar no trabalho,

Em casa

Ou no amor dos anos.

Porém, como controlar,

Se tudo parece tão incerto?

A vida começa com a matemática dos nove meses,

Mas termina por um obscuro cálculo da natureza,

Desconhecido pela ciência.

Muitos chamam de fatalidade.

O que não é.

Por que para morrer não se computa os nove meses de aviso?

Por que o descontrole?

 

Controle, controle e controle!

Como é bom ter o controle da própria vida!

Como é bom ter o controle das coisas!

A chave do carro, pilotar máquinas,

Estudar, obter sucesso,

Namorar pessoas bonitas e poderosas,

Ter a própria família.

Controlar até para mandar em alguém.

Resta-me então fugir para contemplar o Rio Grande(*),

Sentado sobre este cais.

 

Observo que as águas do rio caem da esquerda para a direita,

Em uma cadência mais rígida do que desfile militar.

Desde que nasci, o curso do Rio Grande sempre foi assim.

O Rio Grande controla o curso de sua água.

 

Mas a inglesa Holly Butcher(**), no leito da morte,

Não pode controlar o curso da própria vida:

“É uma coisa estranha perceber e aceitar a sua mortalidade aos 26 anos de idade.

É apenas uma daquelas coisas que ignoras”

“Não quero ir. Eu amo a minha vida. Estou feliz…

Mas o controle está fora das minhas mãos.”

Assim como o horizonte se vai,

Holly Butcher se foi.

O controle está fora das mãos.

Mas o controle eterno da própria vida

Será possível?

Eu fico em meus devaneios.

 

Eu preciso assumir o controle da própria vida.

Às vezes a própria vida tem o outro lado da moeda!

Doenças surgem para desafiar o controle,

De quem acha que é o dono da própria vida.

 

O próprio Rio Grande sofre ameaça em seu curso,

Se a chuva não cair lá na cabeceira.

Controle e ameaça sempre conviverão juntos.

Já não tenho sessenta e poucos anos,

Nem noventa e poucos anos.

Mas eu preciso assumir o controle da própria vida,

Porque há em tudo um controle.

Bem além do que se possa fazer.

 

A morte é, por natureza, o controle do controle.

Maldição que expulsa a vida da vida.

Segredo ainda não desvendado.

Eu querendo controlar a minha própria vida,

E ela querendo fazer seu próprio controle.

O terrível controle de mortalidade,

Que se junta ao controle da minha família.

 

Volto a tossir.

Eu preciso assumir o controle da própria vida.

Eu preciso assumir o controle…

Eu preciso assumir…

Eu preciso…

Eu…

Assim me tornarei um robô

Dos anos noventa.

 

(*) Rio Grande é um rio que banha a cidade de Barreiras, no oeste da Bahia, estado do nordeste brasileiro.
(**) O poema é homenagem à inglesa Holly Butcher, vítima do câncer em janeiro de 2018.

 

Barreiras, Bahia, Brasil, no dia 19 de janeiro de 2018.

Eu preciso assumir o controle da própria vida. Poema de Bomani Flávio.